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São Paulo, domingo, 22 de junho de 2003

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CRÍTICA

Novela das 8 escreve certo por linhas tortas

BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA

Está pegando fogo a novela das oito. Por novela das oito, entenda-se a novela que a Rede Globo exibe depois do "Jornal Nacional", às vezes às 20h45, às vezes às 20h55 e que vai até perto das 22h, caso não haja futebol. Mesmo, portanto, sendo exibida mais perto das nove da noite do que rigorosamente das oito, constituiu uma espécie de subgênero do gênero: é a novela de maior investimento da emissora, à qual se reservam os dramas mais pesados e o elenco mais estelar.
É também a novela que, quando dá certo, quando "pega", torna-se um fenômeno cultural de difícil classificação. Dar certo, nesse universo, está para além dos números de audiência: os pontos no Ibope só indicam quanta gente assiste à novela, mas não como. E é no como, no envolvimento que os personagens provocam no público, que moram alguns segredos da novela bem-sucedida.
Em "Mulheres Apaixonadas", o envolvimento do público se dá por linhas tortas. A protagonista Helena (Christiane Torloni) é, de longe, a personagem feminina mais desinteressante da novela. Sensata, bem-educada, elegante, seu drama de mulher casada e insatisfeita que se reapaixona pelo namorado de juventude é por demais sensato, bem-educado e elegante. Parte de seu sucesso de público deve-se a suas personagens nada sensatas, como Heloísa, a louca, Raquel, a coitada, e Santana, a manguaça.
O tom ameno, frequentemente associado à bossa nova que sempre é a coluna vertebral das trilhas das novelas de Manoel Carlos e que norteava "Laços de Família", deu lugar aos comportamentos mórbidos. No caso de Heloísa, vivida por Giulia Gam, e de Santana, interpretada por Vera Holtz, a qualidade das atrizes contribui, e não pouco, para que suas personagens emerjam do ramerrame da novela. Mas a presença de uma atriz esforçada, mas obviamente de menos recursos como Helena Ranaldi na tríade de personagens marcantes da novela nos obriga a procurar outras explicações.
Uma pista pode estar em algo que poderia ser chamado de "patologização" dos comportamentos. Conscientemente ou não, os autores da novela construíram personagens ou com conflitos a um passo de serem consideradas doenças ou francamente doentes, em consonância com a tendência moderna de medicalizar e medicar todas aquelas que eram consideradas dores da alma.
Assim, Heloísa não é só uma mulher destrambelhada e chata -está doente, precisa ser "curada" de seu mal, "amar demais". Raquel, por sua vez, é vítima, mas não de um brutamontes machista qualquer, mas de um verdadeiro psicopata. E Santana foi promovida rapidamente de bebedora entusiasmada a alcoólatra.
O drama sempre fez parte do sabor da novela, mas a das oito, espertamente, percebeu que hoje em dia não basta ao drama ser psicológico: tem que ser passível de ser classificado como doença.



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