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CRÍTICA
Novela das 8 escreve certo por linhas tortas
BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA
Está pegando fogo a novela
das oito. Por novela das oito,
entenda-se a novela que a Rede
Globo exibe depois do "Jornal
Nacional", às vezes às 20h45, às
vezes às 20h55 e que vai até perto
das 22h, caso não haja futebol.
Mesmo, portanto, sendo exibida
mais perto das nove da noite do
que rigorosamente das oito, constituiu uma espécie de subgênero
do gênero: é a novela de maior investimento da emissora, à qual se
reservam os dramas mais pesados
e o elenco mais estelar.
É também a novela que, quando
dá certo, quando "pega", torna-se
um fenômeno cultural de difícil
classificação. Dar certo, nesse universo, está para além dos números de audiência: os pontos no
Ibope só indicam quanta gente
assiste à novela, mas não como. E
é no como, no envolvimento que
os personagens provocam no público, que moram alguns segredos
da novela bem-sucedida.
Em "Mulheres Apaixonadas", o
envolvimento do público se dá
por linhas tortas. A protagonista
Helena (Christiane Torloni) é, de
longe, a personagem feminina
mais desinteressante da novela.
Sensata, bem-educada, elegante,
seu drama de mulher casada e insatisfeita que se reapaixona pelo
namorado de juventude é por demais sensato, bem-educado e elegante. Parte de seu sucesso de público deve-se a suas personagens
nada sensatas, como Heloísa, a
louca, Raquel, a coitada, e Santana, a manguaça.
O tom ameno, frequentemente
associado à bossa nova que sempre é a coluna vertebral das trilhas
das novelas de Manoel Carlos e
que norteava "Laços de Família",
deu lugar aos comportamentos
mórbidos. No caso de Heloísa, vivida por Giulia Gam, e de Santana, interpretada por Vera Holtz, a
qualidade das atrizes contribui, e
não pouco, para que suas personagens emerjam do ramerrame
da novela. Mas a presença de uma
atriz esforçada, mas obviamente
de menos recursos como Helena
Ranaldi na tríade de personagens
marcantes da novela nos obriga a
procurar outras explicações.
Uma pista pode estar em algo
que poderia ser chamado de "patologização" dos comportamentos. Conscientemente ou não, os
autores da novela construíram
personagens ou com conflitos a
um passo de serem consideradas
doenças ou francamente doentes,
em consonância com a tendência
moderna de medicalizar e medicar todas aquelas que eram consideradas dores da alma.
Assim, Heloísa não é só uma
mulher destrambelhada e chata
-está doente, precisa ser "curada" de seu mal, "amar demais".
Raquel, por sua vez, é vítima, mas
não de um brutamontes machista
qualquer, mas de um verdadeiro
psicopata. E Santana foi promovida rapidamente de bebedora entusiasmada a alcoólatra.
O drama sempre fez parte do sabor da novela, mas a das oito, espertamente, percebeu que hoje
em dia não basta ao drama ser
psicológico: tem que ser passível
de ser classificado como doença.
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