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CINEMA
Evento reúne raridades como "Vento do Leste", da fase pós-68 do diretor francês, que tem participação de Glauber
Ciclo no CCBB exibe inédito de Godard
TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA
Raridades não faltam à mostra
"Metacinemas", que estréia hoje
no CCBB, mas "Vento do Leste"
(1969), obra da fase revolucionária pós-68 de Jean-Luc Godard, é,
de longe, a mais aguardada. O filme, até hoje inédito no Brasil,
conta com participação especialíssima de Glauber Rocha.
Depois dos acontecimentos de
maio de 68 na França, Godard
funda com Jean-Pierre Gorin o
grupo Dziga Vertov e se lança na
militância, menos interessado em
realizar cinema político do que
em encontrar uma forma de fazer
politicamente cinema político.
Forma que Godard procura, com
certo desespero, em "Vento do
Leste". Sua busca culmina na aparição de Glauber em cena, em
uma encruzilhada, a indicar o caminho do cinema político a uma
jovem cineasta.
"Por aqui, é o cinema da aventura estética e da especulação filosófica, por lá, o cinema do Terceiro Mundo, cinema perigoso, divino e maravilhoso", diz Glauber,
delimitando as diferenças entre
sua arte e a de Godard. O cinema
do Terceiro Mundo era, das inúmeras bandeiras do cinema político daquela época, a mais autêntica: reconhecer Glauber como o
verdadeiro cineasta político era,
das autocríticas que Godard fazia
nesse filme, a mais contundente.
Afinal, como diria Glauber, para
Godard o cinema acabou, para
nós mal está começando.
No fundo, Godard prosseguia
em seu caminho, o do antiilusionismo. Lúdico-cinefílico em seus
primeiros filmes, seu antiilusionismo aproxima-se aos poucos da
crítica marxista à idéia de representação burguesa: a obra de Godard seguia assim a mesma evolução da dramaturgia de Bertolt
Brecht, sua maior referência naqueles anos pós-68. Antiilusionismo (ou auto-reflexividade: tema
da mostra do CCBB) era uma espécie de palavra de ordem naqueles tempos: um verdadeiro filme
revolucionário nunca poderia
deixar de expor seu próprio processo de produção.
Premissa que não é levada inteiramente a fundo em "Vento do
Leste". Há verdades do processo
de produção que não estão no filme. Por exemplo: o fato de a obra
marxista ter sido financiada pelo
jovem herdeiro da Fiat, Ettore
Rosbuck, ou o fato de o dinheiro
da produção ter sido em boa medida usado por Daniel Cohn-Bendit (o líder estudantil de maio de
68) e sua turma, protagonistas do
filme, para curtir, durante as filmagens, férias de verão na Sicília.
Concebido, por Cohn-Bendit,
como um "western político", mas
filmado de forma um tanto negligente, "Vento do Leste" é mais
um filme que JLG salvou na sala
de montagem. O filme evidencia
os limites do ideal de "criação coletiva" do grupo Dziga Vertov.
Em uma seqüência vemos Godard e seus camaradas discutindo
entre si e com os atores, em cena
que lembra uma assembléia geral,
mas a discussão foi toda picotada
por Godard na montagem, destruída por sua fúria autoral.
Assim, apesar de "Vento do
Leste" representar um momento
de impasse na obra de Godard,
momento em que este parece decidido a destruir o próprio mito e
emprestar sua rebeldia iconoclasta a movimentos sociais mais amplos, não é difícil identificar no filme procedimentos que lhe são caros. "Vento do Leste" não apaga o
autor que é Godard, um autor polifônico que sempre soube incorporar, a seu jeito, os discursos e
enunciados dos outros.
METACINEMAS. Quando: de hoje a 4/7.
Onde: CCBB (r. Álvares Penteado, 112,
tel. 3113-3651; www.cultura-e.com.br). Quanto: R$ 4.
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