São Paulo, terça-feira, 22 de junho de 2004

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CINEMA

Evento reúne raridades como "Vento do Leste", da fase pós-68 do diretor francês, que tem participação de Glauber

Ciclo no CCBB exibe inédito de Godard

TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA

Raridades não faltam à mostra "Metacinemas", que estréia hoje no CCBB, mas "Vento do Leste" (1969), obra da fase revolucionária pós-68 de Jean-Luc Godard, é, de longe, a mais aguardada. O filme, até hoje inédito no Brasil, conta com participação especialíssima de Glauber Rocha.
Depois dos acontecimentos de maio de 68 na França, Godard funda com Jean-Pierre Gorin o grupo Dziga Vertov e se lança na militância, menos interessado em realizar cinema político do que em encontrar uma forma de fazer politicamente cinema político. Forma que Godard procura, com certo desespero, em "Vento do Leste". Sua busca culmina na aparição de Glauber em cena, em uma encruzilhada, a indicar o caminho do cinema político a uma jovem cineasta.
"Por aqui, é o cinema da aventura estética e da especulação filosófica, por lá, o cinema do Terceiro Mundo, cinema perigoso, divino e maravilhoso", diz Glauber, delimitando as diferenças entre sua arte e a de Godard. O cinema do Terceiro Mundo era, das inúmeras bandeiras do cinema político daquela época, a mais autêntica: reconhecer Glauber como o verdadeiro cineasta político era, das autocríticas que Godard fazia nesse filme, a mais contundente. Afinal, como diria Glauber, para Godard o cinema acabou, para nós mal está começando.
No fundo, Godard prosseguia em seu caminho, o do antiilusionismo. Lúdico-cinefílico em seus primeiros filmes, seu antiilusionismo aproxima-se aos poucos da crítica marxista à idéia de representação burguesa: a obra de Godard seguia assim a mesma evolução da dramaturgia de Bertolt Brecht, sua maior referência naqueles anos pós-68. Antiilusionismo (ou auto-reflexividade: tema da mostra do CCBB) era uma espécie de palavra de ordem naqueles tempos: um verdadeiro filme revolucionário nunca poderia deixar de expor seu próprio processo de produção.
Premissa que não é levada inteiramente a fundo em "Vento do Leste". Há verdades do processo de produção que não estão no filme. Por exemplo: o fato de a obra marxista ter sido financiada pelo jovem herdeiro da Fiat, Ettore Rosbuck, ou o fato de o dinheiro da produção ter sido em boa medida usado por Daniel Cohn-Bendit (o líder estudantil de maio de 68) e sua turma, protagonistas do filme, para curtir, durante as filmagens, férias de verão na Sicília.
Concebido, por Cohn-Bendit, como um "western político", mas filmado de forma um tanto negligente, "Vento do Leste" é mais um filme que JLG salvou na sala de montagem. O filme evidencia os limites do ideal de "criação coletiva" do grupo Dziga Vertov. Em uma seqüência vemos Godard e seus camaradas discutindo entre si e com os atores, em cena que lembra uma assembléia geral, mas a discussão foi toda picotada por Godard na montagem, destruída por sua fúria autoral.
Assim, apesar de "Vento do Leste" representar um momento de impasse na obra de Godard, momento em que este parece decidido a destruir o próprio mito e emprestar sua rebeldia iconoclasta a movimentos sociais mais amplos, não é difícil identificar no filme procedimentos que lhe são caros. "Vento do Leste" não apaga o autor que é Godard, um autor polifônico que sempre soube incorporar, a seu jeito, os discursos e enunciados dos outros.


METACINEMAS. Quando: de hoje a 4/7. Onde: CCBB (r. Álvares Penteado, 112, tel. 3113-3651; www.cultura-e.com.br). Quanto: R$ 4.


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