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DANÇA
Espetáculo de Ismael Ivo estréia em festival alemão
"Olhos d'Água" constrói história da escravidão a partir da memória
CÍNTIA CARDOSO
ENVIADA ESPECIAL A BERLIM
Em um espetáculo que definiu
como "pós-exótico", o coreógrafo
e bailarino brasileiro Ismael Ivo
estreou no último sábado "Olhos
d'Água" no festival Black Atlantic,
em Berlim, na Alemanha.
"Esse é um espetáculo de multilinguagem. Não é só dança. Não é
teatro. Não é teatro e dança. É um
passo além. É a construção de um
novo olhar sobre a história dos
negros. Não somos nem queremos mais ser exóticos. Somos
pós-exóticos", disse Ivo à Folha.
A proposta do festival, que começou na última sexta e vai até
novembro, é discutir a diáspora
dos africanos que foram escravizados e as tentativas de reconstrução da identidade africana que os
povos negros empreenderam ao
longo dos séculos nos países nos
quais foram obrigados a habitar.
O termo "Black Atlantic"
(Atlântico Negro) foi utilizado em
um livro de mesmo nome do sociólogo Paul Gilroy. Nessa obra, o
autor descreve a formação de
uma rede de culturas geradas pelos afrodescendentes nos países
banhados pelo Atlântico. Esses
povos, diz Gilroy, criaram culturas que não podem ser caracterizadas como africanas, caribenhas,
britânicas ou americanas. Elas ultrapassam barreiras étnicas ou
nacionais e foram geradas a partir
da resistência à colonização.
"Na tentativa de recriar as tradições africanas, de não esquecer o
primeiro lar, os negros reinventaram a sua cultura. No Brasil, por
exemplo, isso gerou o samba. Nos
EUA, o hip hop. Expressões diferentes e, no entanto, iguais", argumentou o coreógrafo.
No palco, a diversidade do legado africano se traduz em um espetáculo cuja ênfase é a justaposição de imagens e ações. O público
não encontrará na coreografia
um relato histórico da escravidão
negra no ocidente -tampouco
uma narrativa linear. Os movimentos dos sete bailarinos em cena, incluindo o próprio Ivo, são
bruscos e curtos. "Não é uma história de "era uma vez". É um quebra-cabeças, é uma colagem de
memórias", diz Maria Thais Lima
Santos, diretora do espetáculo.
A concepção do espetáculo levou quatro anos para ser delineada. Em cena, a dança contemporânea justapõe cantos e relatos de
três mulheres negras: a cantora de
jazz norte-americana Othela Dallas, a mãe-de-santo brasileira
Mãe Beata e a ativista política e
também brasileira Tereza Santos.
"Essas três mulheres são monumentos vivos da história desse
povo. Quando me pediram para
fazer esse espetáculo de referência
ao Atlântico Negro, preferi centrar na memória dessas pessoas,
não numa perspectiva da história
do colonialismo", contou Ivo.
Ainda não há previsão de apresentação de "Olhos d'Água" no
Brasil.
A jornalista Cíntia Cardoso viajou a
convite do Ministério das Relações Exteriores da Alemanha
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