São Paulo, quarta-feira, 22 de setembro de 2004

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DANÇA

Espetáculo de Ismael Ivo estréia em festival alemão

"Olhos d'Água" constrói história da escravidão a partir da memória

CÍNTIA CARDOSO
ENVIADA ESPECIAL A BERLIM

Em um espetáculo que definiu como "pós-exótico", o coreógrafo e bailarino brasileiro Ismael Ivo estreou no último sábado "Olhos d'Água" no festival Black Atlantic, em Berlim, na Alemanha.
"Esse é um espetáculo de multilinguagem. Não é só dança. Não é teatro. Não é teatro e dança. É um passo além. É a construção de um novo olhar sobre a história dos negros. Não somos nem queremos mais ser exóticos. Somos pós-exóticos", disse Ivo à Folha.
A proposta do festival, que começou na última sexta e vai até novembro, é discutir a diáspora dos africanos que foram escravizados e as tentativas de reconstrução da identidade africana que os povos negros empreenderam ao longo dos séculos nos países nos quais foram obrigados a habitar.
O termo "Black Atlantic" (Atlântico Negro) foi utilizado em um livro de mesmo nome do sociólogo Paul Gilroy. Nessa obra, o autor descreve a formação de uma rede de culturas geradas pelos afrodescendentes nos países banhados pelo Atlântico. Esses povos, diz Gilroy, criaram culturas que não podem ser caracterizadas como africanas, caribenhas, britânicas ou americanas. Elas ultrapassam barreiras étnicas ou nacionais e foram geradas a partir da resistência à colonização.
"Na tentativa de recriar as tradições africanas, de não esquecer o primeiro lar, os negros reinventaram a sua cultura. No Brasil, por exemplo, isso gerou o samba. Nos EUA, o hip hop. Expressões diferentes e, no entanto, iguais", argumentou o coreógrafo.
No palco, a diversidade do legado africano se traduz em um espetáculo cuja ênfase é a justaposição de imagens e ações. O público não encontrará na coreografia um relato histórico da escravidão negra no ocidente -tampouco uma narrativa linear. Os movimentos dos sete bailarinos em cena, incluindo o próprio Ivo, são bruscos e curtos. "Não é uma história de "era uma vez". É um quebra-cabeças, é uma colagem de memórias", diz Maria Thais Lima Santos, diretora do espetáculo.
A concepção do espetáculo levou quatro anos para ser delineada. Em cena, a dança contemporânea justapõe cantos e relatos de três mulheres negras: a cantora de jazz norte-americana Othela Dallas, a mãe-de-santo brasileira Mãe Beata e a ativista política e também brasileira Tereza Santos. "Essas três mulheres são monumentos vivos da história desse povo. Quando me pediram para fazer esse espetáculo de referência ao Atlântico Negro, preferi centrar na memória dessas pessoas, não numa perspectiva da história do colonialismo", contou Ivo.
Ainda não há previsão de apresentação de "Olhos d'Água" no Brasil.


A jornalista Cíntia Cardoso viajou a convite do Ministério das Relações Exteriores da Alemanha


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