São Paulo, sexta-feira, 22 de setembro de 2006

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Cinema

Crítica/"Amantes Constantes"


Garrel visita amor e impasses de 68

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Já se apontou a proximidade entre "Amantes Constantes" e a atmosfera da nouvelle vague. Ela existe, de fato. Está um pouco na fotografia em preto-e-branco. Um tanto no porte trágico do ator.
Outro tanto no jeito leve da atriz protagonista.
Por inspiração própria ou graças à direção de Philippe Garrel, os ótimos Louis Garrel -filho de Philippe- e Clotilde Hesme encarnam magnificamente sentimentos dos anos 60 que os filmes da nouvelle vague fixaram com muita oportunidade, como uma enorme disponibilidade para o mundo. Disponibilidade curiosa e ativa, a um tempo vital e intelectual, feliz sem ser tola.
A reconstituição dessa atmosfera não é um objetivo em si de "Amantes Constantes". Trata-se, sobretudo, de questionar o que foi e o que representou o Maio de 68. Conhecemos alguns filmes sobre isso, como "Loucuras de uma Primavera" (1969), em que Louis Malle observa o movimento dos estudantes pelo seu lado burlesco. Ou ainda o mais recente "Os Sonhadores" (2003), em que Bernardo Bertolucci observa o movimento por um viés um tanto lateral.
"Amantes Constantes" está mais próximo de "Antes da Revolução", do mesmo Bertolucci, em uma série de questões lançadas a um movimento no qual estudantes, em geral de classe média, misturaram necessidades existenciais a posições políticas e se tornaram, por um rápido momento, a vanguarda de um movimento revolucionário. Ou que se quis revolucionário. Em todo caso, aí também existiu -tratando-se da França- um forte aspecto literário: o desejo de transformar a vida e o mundo simultaneamente. Tratando um tema tão atraente, Garrel evitou fazer um filme de assimilação imediata ou fácil. São três horas de duração. Tudo está lá: as barricadas, as brigas com a polícia, as fugas apressadas, bem como as reuniões políticas, os amores nascidos naquele momento.
Tudo está lá, mas sem concessões ao espetáculo. Pode até ser árido. Mas Dostoiévski não é? Então vamos em frente. O que Garrel pretende é pensar o que de fato ocorreu naquele momento delirante, em que estudantes pensavam que os operários seriam traidores da revolução proletária! E a seguir.
São dois os movimentos fundamentais do filme: primeiro, 1968, o momento de euforia e retração. Depois, 1969, o refluxo. Das barricadas ao ópio. Da exaltação dos sentidos ao amortecimento. Do amor ao impasse. Esse é o tempo também do amor entre François e Lilie. O filme de Garrel coloca o espectador diante desses destinos exemplares, ao mesmo tempo em que, aos poucos, traça o percurso da Europa (e da França) no instante em que ela define seu destino: aceitará essa vitalidade representada pelo movimento dos jovens, ou optará por ser "a velha Europa"?
Se "Amantes Constantes" lembra a atmosfera da nouvelle vague, não é um filme que busque reencontrar seu tom ou seu estilo. Aquela despreocupação típica dos primeiros filmes de Godard, Truffaut e cia. nos indicava de algum modo que tudo ainda estava por vir. Em "Amantes Constantes", o tom grave nos lembra que o melhor talvez já tenha passado.


AMANTES CONSTANTES     
Direção: Philippe Garrel
Produção: França, 2004
Com: Louis Garrel, Clotilde Hesme, Julien Lucas e Eric Rulliat
Quando: em cartaz no Reserva Cultural 1


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