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Cinema
Crítica/"Amantes Constantes"
Garrel visita amor e impasses de 68
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Já se apontou a proximidade entre "Amantes
Constantes" e a atmosfera da nouvelle vague. Ela existe,
de fato. Está um pouco na fotografia em preto-e-branco. Um
tanto no porte trágico do ator.
Outro tanto no jeito leve da
atriz protagonista.
Por inspiração própria ou
graças à direção de Philippe
Garrel, os ótimos Louis Garrel
-filho de Philippe- e Clotilde
Hesme encarnam magnificamente sentimentos dos anos
60 que os filmes da nouvelle vague fixaram com muita oportunidade, como uma enorme disponibilidade para o mundo.
Disponibilidade curiosa e ativa,
a um tempo vital e intelectual,
feliz sem ser tola.
A reconstituição dessa atmosfera não é um objetivo em
si de "Amantes Constantes".
Trata-se, sobretudo, de questionar o que foi e o que representou o Maio de 68. Conhecemos alguns filmes sobre isso,
como "Loucuras de uma Primavera" (1969), em que Louis
Malle observa o movimento
dos estudantes pelo seu lado
burlesco. Ou ainda o mais recente "Os Sonhadores" (2003),
em que Bernardo Bertolucci
observa o movimento por um
viés um tanto lateral.
"Amantes Constantes" está
mais próximo de "Antes da Revolução", do mesmo Bertolucci, em uma série de questões
lançadas a um movimento no
qual estudantes, em geral de
classe média, misturaram necessidades existenciais a posições políticas e se tornaram,
por um rápido momento, a vanguarda de um movimento revolucionário. Ou que se quis revolucionário. Em todo caso, aí
também existiu -tratando-se
da França- um forte aspecto
literário: o desejo de transformar a vida e o mundo simultaneamente.
Tratando um tema tão
atraente, Garrel evitou fazer
um filme de assimilação imediata ou fácil. São três horas de
duração. Tudo está lá: as barricadas, as brigas com a polícia, as
fugas apressadas, bem como as
reuniões políticas, os amores
nascidos naquele momento.
Tudo está lá, mas sem concessões ao espetáculo. Pode até
ser árido. Mas Dostoiévski não
é? Então vamos em frente. O
que Garrel pretende é pensar o
que de fato ocorreu naquele
momento delirante, em que estudantes pensavam que os operários seriam traidores da revolução proletária! E a seguir.
São dois os movimentos fundamentais do filme: primeiro,
1968, o momento de euforia e
retração. Depois, 1969, o refluxo. Das barricadas ao ópio. Da
exaltação dos sentidos ao
amortecimento. Do amor ao
impasse. Esse é o tempo também do amor entre François e
Lilie. O filme de Garrel coloca o
espectador diante desses destinos exemplares, ao mesmo
tempo em que, aos poucos, traça o percurso da Europa (e da
França) no instante em que ela
define seu destino: aceitará essa vitalidade representada pelo
movimento dos jovens, ou optará por ser "a velha Europa"?
Se "Amantes Constantes"
lembra a atmosfera da nouvelle
vague, não é um filme que busque reencontrar seu tom ou seu
estilo. Aquela despreocupação
típica dos primeiros filmes de
Godard, Truffaut e cia. nos indicava de algum modo que tudo
ainda estava por vir. Em
"Amantes Constantes", o tom
grave nos lembra que o melhor
talvez já tenha passado.
AMANTES CONSTANTES
Direção: Philippe Garrel
Produção: França, 2004
Com: Louis Garrel, Clotilde Hesme, Julien Lucas e Eric Rulliat
Quando: em cartaz no Reserva Cultural 1
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