São Paulo, sexta-feira, 22 de setembro de 2006

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Crítica/"Eleição - O Submundo do Poder"

Johnny To exibe vigor do cinema asiático

PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

Uma das imagens de divulgação de "Eleição" mostra um homem no alto de uma montanha, agachado sobre uma enorme pedra, tendo ao fundo o mar de edifícios de Hong Kong. É uma síntese interessante da proposta desse filme de Johnny To, craque do cinema de gênero asiático cuja obra só agora começa a receber merecido reconhecimento internacional.
Em "Eleição" -que esteve na competição do Festival de Cannes do ano passado-, To aborda um mundo de contradições, bipartido entre os emblemas da "civilização" (a cidade, a democracia) e da "barbárie" (a brutalidade, a lei da selva). Uma divisão que não se aplica apenas à situação específica de Hong Kong -um dos símbolos do caótico capitalismo asiático-, mas que também pode se estender a todo um mundo globalizado em transição. Não por acaso, nenhum tiro é disparado durante todo o filme.
A violência é executada a pau e pedra e, em um dos momentos mais brutais, macacos assistem a assassinatos violentíssimos -uma cena que remete, muito curiosamente, à abertura do "2001", de Kubrick. A explosão da violência é conseqüência inevitável do turbulento processo sucessório de um grupo mafioso de Hong Kong, que se dá, democraticamente, à base de votação entre seus milhares de membros. Os candidatos são o conservador Lok (Simon Yam) e o arrojado Big D (Tony Leung Ka Fai).
Big D usa uma série de artifícios (que podem tranqüilamente ser associados ao "marketing" eleitoral) para se eleger, e, mesmo assim, perde para Lok, sobretudo por causa da influência de um antigo líder, que apóia seu rival. Big D não se conformará com a derrota e tentará conseguir, a qualquer custo, o bastão centenário que simboliza o poder do grupo.
"Eleição" desloca alguns elementos cotidianos da vida na república contemporânea e passa a observá-los por uma luz estranha, soturna e aparentemente distorcida, mas que acaba sendo extremamente reveladora. Desconcertante, brutal, atento a algumas das grandes aflições contemporâneas, e, ao mesmo tempo, arrojado esteticamente -principalmente na montagem e em alguns enquadramentos-, o trabalho de Johnny To mostra que, dentro do cinema industrial, é possível alguma boa dose de invenção.
Um trabalho que merece toda a atenção, como um dos melhores exemplos do vigor do cinema de gênero asiático.


ELEIÇÃO - O SUBMUNDO DO PODER    
Direção: Johnny To
Produção: Hong Kong, 2005
Com: Simon Yam, Tony Leung Ka Fai
Quando: em cartaz no Cinesesc


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