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CINEMA MOSTRA DE SP
"Moloch", de Sokurov, pinta cores da morte
ALVARO MACHADO
especial para a Folha
Depois da repercussão discreta
que a delicada elegia "Mãe e Filho" obteve na 21ª Mostra, Alexandre Sokurov, diretor de 48
anos radicado em São Petersburgo, ganha maior visibilidade com
o tema escandaloso de "Moloch",
seu 30º e mais recente filme. Na
verdade, o escândalo foi abortado
antes do nascimento, já que os
distribuidores europeus se encarregaram de um boicote ao filme.
A polêmica gira em torno do
risco de humanização de uma figura que os livros de história, a literatura e o cinema sugerem mais
como um ente sobrenatural, a
própria besta encarnada ou a versão moderna de Moloch, demônio bíblico ao qual se sacrificava
crianças: Adolf Hitler.
Neste filme, o ditador é flagrado
em atividades prosaicas, humanas demais para quem foi capaz
de planejar e concretizar a execução de milhões de inocentes.
Vemos "Adi", o genocida, no
interior de seus banheiros, na cama, às turras com sua amante Eva
Braun, cantarolando a "Nona" de
Beethoven e até mesmo caçando
borboletas, nos jardins de seu refúgio nos Alpes, o castelo Berchtesgaden.
De outro lado, esse cotidiano é
delineado com as cores de uma
paleta fria de morte, que torna
quase tocável o clima de terror
histérico ao redor de um chefe
com tamanho poder sobre vida e
morte, de um "príncipe deste
mundo", como os ocultistas chamam às vezes o demônio.
A cor seria, aliás, o elemento
que, numa sucessão de quadros,
concentraria no cinema o "efeito
psicológico". Esse é um dos muitos novos conceitos do diretor,
que trabalha à exaustão os elementos estéticos de cada fotograma enquadramento, cenário, figurinos, ruído ou música (as suas
"paisagens sonoras"), filtros para
as lentes, granulação do filme etc.
Uma espécie de pintor na vanguarda da técnica, em "Moloch"
mandou construir lentes e refletores especiais, Sokurov filia-se ao
mesmo tempo à tradição clássica
da pintura, em sua vocação para
criar atmosferas.
Um artista capaz de conferir tamanho grau de informação a cada
uma das imagens que alinhava só
pode receber o título de gênio. Porém, à parte um círculo que o assiste em pequenos cinemas parisienses, Sokurov é considerado
"hermético".
Pouco justo: o problema de fruição de seus filmes está no olho do
espectador médio, incapaz de
concentração. A ação proposta
acontece no interior de cada imagem, mais que na sequência das
cenas. É uma ação silenciosa, não
explícita, como na contemplação
da pintura.
"Moloch", não obstante o ambiente quase doméstico retratado,
expõe inequivocamente "a essência da feiúra do que faziam aquelas pessoas" (nas palavras do diretor), permitindo-se variações de
tom que chegam, às vezes, à saturação da caricatura.
É um filme inestimável, porém
não o mais denso de Alexandre
Sokurov, que mereceria na Mostra toda uma retrospectiva, encabeçada pelo perturbador "Páginas Escondidas" (de 93, inspirado
em "Crime e Castigo"), sem excluir a faceta de documentarista
do diretor, brilhante manipulador de imagens de arquivo.
Avaliação:
Filme: Moloch (Moloch)
Direção: Alexander Sokurov
Produção: Rússia, 1999, 103 min
Onde: hoje, às 14h, no Masp
Outras exibições na mostra: amanhã,
domingo, 26, 28 e 29
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