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ARTIGO
São Paulo deve dançar o lundu de José Bonifácio
GILBERTO VASCONCELLOS
especial para a Folha
A época é cafajestal porque dissociamos de modo esquizofrênico o bem-estar do povo da soberania nacional, resultando daí a
ilusão cretina de que seremos social e culturalmente felizes sob o
reinado da dominação exógena.
Basta aprender inglês e se inscrever como boy de luxo numa
transnacional supercompetitiva.
Os intelectuais e artistas brasileiros, a maioria vaselina e pusilânime, servirão comes e bebes na varanda da casa grande aos ocupantes. O poder desnacionalizado hoje badala a memória entreguista
do pernambuco Joaquim Nabuco, na razão inversa do olvido a
que é relegado o patriota paulista
José Bonifácio de Andrada e Silva,
patriarca desbundado de esquerda que almejava um país socialmente homogêneo.
Anos 80, Recife. Impensável
àquela altura a venda do nosso
subsolo pela sociologia. Em conversa que tive com Gilberto Freyre, de quem discordava por ter
dado o nome de Joaquim Nabuco
a seu instituto de pesquisas sociais, em vez do nome do pernambucano Oliveira Lima que
colocou à disposição do xará de
Apipucus sua biblioteca para escrever "Casa Grande e Senzala".
Não obtive a resposta de que
gostaria. Doravante o Exu colonial se trasladaria de Lisboa para
London e daí rumo a Washington. Alguns intelectuais brasileiros no passado, como Rui Barbosa e Monteiro Lobato, embarcaram nessa furada anglo-saxônica,
cuja ideologia seduz o deslumbrado FHC: a de que seremos um dia
amados pelos EUA, disputando a
preferência deles com a vizinha
Argentina.
Irônico e premonitório o samba
de Noel Rosa: quem dá mais?
Quem dá mais? Quem dá mais?
São Paulo, se quiser deixar de ser
marmelada, deveria cultuar seu
filho pródigo esquecido, mostrando que é possível ser paulista
e ao mesmo tempo brasileiro.
Tentando explicar o motivo da
cultura paulista ter eclipsado a
questão do nacionalismo à José
Bonifácio, o antropólogo Darcy
Ribeiro deu interpretação de cunho marxista a esse fenômeno
ideológico: é que depois de 64,
São Paulo, segundo Darcy, recebeu os capitais estrangeiros para
recolonizar os "Brasis" ferrados.
É por causa disso que o intelectual paulista metido a fino relaciona-se menos com o resto do Brasil
do que com o influxo Niuiorqui-Niuiorqui, fazendo coro à semântica da palavra provinciano: o bocó que adora as últimas novidades dos grandes centros.
O macho para dentro e a bela
oferecida para fora são o verso e o
reverso da travestização contemporânea do bandeirante sem água
e sem garra. O estupendo ensaísta
de Ribeirão Preto Gondin da Fonseca, filho de caiçara, escreveu
que George Washington, o homem da independência dos EUA,
era café pequeno se comparado
culturalmente ao santista José Bonifácio, o qual se autodefiniu "caipira de São Paulo" e exímio dançarino de lundu.
Gilberto Vasconcellos é professor de ciências sociais da Universidade Federal de Juiz
de Fora (MG) e autor de "O Príncipe da Moeda" (Ed. Espaço e Tempo), entre outros
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