São Paulo, sexta-feira, 22 de outubro de 2004

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"WIMBLEDON"

Diálogo de gêneros é sedutor em filme-produto com sotaque inglês

CLAUDIO SZYNKIER
FREE-LANCE PARA A FOLHA

O truque de "Wimbledon" é transformar um ambiente real e público (célebre torneio de tênis) em fantasia. E há muita graça nessa operação. Porque, para realizá-la, o filme se infiltrará na intimidade da instituição: o hotel dos jogadores, os treinos melancólicos de um tenista decadente, Peter Colt, e as quadras, aquelas menos luxuosas, escondidas na paisagem verde do imenso jardim em que se realiza a competição.
O tom preponderante é o da fábula, na paixão entre Colt e a ninfeta top ten. O diretor britânico Richard Loncraine se servirá bem desse tom, mas a fantasia ele irá captar, ironicamente, na desmistificação das imagens sagradas de glamour que enfeitam a grife esportiva londrina. Há algo de ordinário sobre Wimbledon, o evento, aqui.
Esse truque vai nos colocar dentro de uma "festa" da qual desejamos participar. Mas o grande barato é ver o filme brincar com a linguagem cinematográfica em sua face industrial. Pois o que se revela é um exercício, dos mais afiados, em manipulação de gêneros. Dois, na verdade.
Um é a comédia romântica inglesa moderna, essa coisa elegante e fofa, embrulhada para presente em caixa e papel encantadores. O outro é o "filme de esporte" americano tradicional, essa história do cara (ou time) desacreditado ou obsoleto que começa ignorado, ganha confiança fase a fase e chega à final do campeonato. Os dois gêneros vão se contaminando, se colorindo e, mais interessante, se trapaceando ao longo do filme. É mar aberto para jogar com o cinema, e Loncraine aproveita bem.
Além disso, na esfera da comédia romântica, o filme filia-se a uma tendência conservadora que, no gênero, troca o ideal jovem e idílico do namoro pelo da conquista direta do casamento: provável vacina para a efemeridade afetiva e a frieza do tempo da eficiência, dos resultados e da plastificação das coisas.
Tempo, no mais, em que o sofisticado funcionamento do mercado depende muito desse grande departamento de sonhos e marcas que é o mundo esportivo espetacular, que não separa ou salva os envolvidos de seus próprios espectros, impressos em veículos de mídia ou incensados pelos holofotes.
Claro que há uma contradição, por ser esse tipo de cinema também uma arte sintética -basta ver o tratamento visual que as locações recebem-, do resultado. Contradição que, no final das contas, faz do filme um artigo mais sedutor.


Wimbledon - Jogo de Amor
Wimbledon
   
Direção: Richard Loncraine
Produção: EUA, 2004
Com: Paul Bettany, Kirsten Dunst, Eleanor Bron, Karl Hyde, Robert Lindsay e Penny Ryder
Quando: a partir de hoje nos cines Iguatemi, Kinoplex Itaim, Tamboré e circuito



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