São Paulo, quarta, 22 de outubro de 1997.




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21ª MOSTRA INTERNACIONAL DE CINEMA
"Irma Vep" une a França a Hong Kong

Reprodução
Olivier Assayas (com a câmera na mão) no set de filmagens de ''Irma Vep'', que a mostra exibe hoje


CECÍLIA SAYAD
da Redação

Aquilo que no filme "Irma Vep", exibido hoje pela Mostra Internacional de Cinema, pode parecer uma sátira ao cinema francês, o diretor Olivier Assayas define como uma sátira a si mesmo.
"Sou um representante típico do cinema de autor francês", disse à Folha o outrora crítico da revista "Cahiers du Cinéma", em entrevista concedida por telefone de sua casa, em Paris.
"Irma Vep" é um filme sobre o remake de um filme (veja texto nesta página). Sexto longa-metragem de Assayas, revela os encontros e, sobretudo, desencontros entre membros de uma equipe de filmagem.
"'Irma Vep' é uma comédia sobre o trabalho em grupo, sobre indivíduos que não conseguem se comunicar", disse o diretor.
"Se eu fosse escritor, falaria de editoras; se fosse mecânico, falaria de oficinas. Como sou cineasta, falo de cinema. Mas não pretendo criticar o cinema francês de maneira geral."
Renomado admirador da cinematografia oriental, sobretudo de Hong Kong, para a qual dedicou uma edição especial dos "Cahiers", Assayas, 42, não nega a influência de diretores como Wong Kar-wai, em "Irma Vep".
"Em alguns planos, filmo com a câmera na mão, o que considero uma influência de Kar-wai. Mas meu longa é muito distante do cinema de Hong Kong, em seu espírito e em sua concepção, e muito mais próximo do cinema francês dos anos 60 e de Godard", afirma.
No entanto, Assayas, que tem o papel principal de seu filme interpretado pela atriz Maggie Cheung, estrela de Hong Kong, diz que o cinema oriental feito nos últimos anos não tem, para ele, o encanto que tinha na década de 80.
"Não acho que o cinema oriental feito hoje tenha a vitalidade que teve durante um período em que representava uma certa ingenuidade que a cinematografia ocidental havia perdido. Os filmes feitos em Taiwan não estão mais tão distantes daquilo que me interessa no cinema ocidental."
Indagado se a participação da atriz de Hong Kong poderia representar um elemento renovador (oriental) para um cinema (ocidental) que precisa se reciclar, Assayas nega essa associação.
"Não acredito na idéia de regeneração do cinema ocidental pelo oriental", explica. "No início da década de 80, a cinematografia do Oriente representava algo original do ponto de vista da velocidade, da montagem, da audácia de algumas cenas. Mas hoje, me interesso somente pelo trabalho de alguns diretores específicos, como Wong Kar-wai e, em Taiwan, Edward Yang e Hou Hsiao Hsien."
Quanto ao cinema francês, ele vai muito bem, obrigado. "Há uma qualidade que é única no cinema de meu país, um privilégio: a possibilidade de seguir caminhos singulares", diz Assayas, ao situar seu trabalho no contexto cinematográfico da França.
"Como muitos diretores franceses, encontro suporte para seguir uma inspiração individual. É um pouco do que tento mostrar com 'Irma Vep'. Apesar de toda ironia, o cinema que mostro é um espaço em que se pode arriscar, o que, no contexto do mundo de hoje, é quase uma postura de resistência."
Aliás, "Irma Vep" representou, na carreira do diretor, maiores vôos e experimentações.
"Trata-se de um filme diferente de todos os outros que fiz", afirma Assayas. "Nele, me autorizei coisas que sempre quis realizar e não pude", disse, explicando que o fato de ter sido uma produção pequena diminuiu os riscos de prejuízos financeiros e lhe garantiu maior liberdade.
"Arrisquei-me por caminhos que antes me assustavam, como o do humor. Nunca tinha feito um filme cômico -tive medo de não encontrar o tom certo. Desse ponto de vista, 'Irma Vep' foi muito estimulante, pois ampliou meus horizontes."
O filme resta, no entanto, como experiência ímpar na carreira do diretor e crítico francês. "Não tenho vontade de fazer outros trabalhos nessa mesma linha. Acredito que 'Irma Vep' está destinado a ser único, e um pouco particular."



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