São Paulo, sexta-feira, 22 de novembro de 2002

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CINEMA/ESTRÉIA

"FULL FRONTAL"

Soderbergh reforça estilo instigante

SÉRGIO DÁVILA
DE NOVA YORK

Você vai gostar muito de "Full Frontal", experimento cinematográfico de Steven Soderbergh que estréia hoje no Brasil, ou odiá-lo; dificilmente sairá do cinema indiferente, o que já é mais do que se pode falar sobre 90% das bobagens que Hollywood nos empurra goela abaixo.
Feito em película e digital, dependendo da história retratada no momento, é na verdade um metafilme e foi realizado em 18 dias seguindo regras peculiares do diretor, à Dogma 95: apesar de contar com um elenco estelar (Julia Roberts, Brad Pitt, David Duchovny), nenhum ator teria direito a trailer, maquiador, cabeleireiro, assessor e motorista.
Todos deveriam se produzir sozinhos em casa e chegar ao set de filmagem por conta própria. Receberiam seus textos na hora e não poderiam decorá-los ou ensaiá-los por mais do que alguns minutos. Tudo isso para contar a história (e as histórias por trás) de um filme sendo feito em Hollywood, com um final à "E la Nave Và", que revela a feitura do próprio "Full Frontal".
Esquisito? Confuso? São traços da personalidade de Steven Soderbergh, uma das mais interessantes e instigantes do cinema atual. O norte-americano de 39 anos entrou no radar do mundo no Festival de Sundance de 1989, com o original "sexo, mentiras e videotape", que cantava a bola do "reality show" uma década antes de a onda tomar a TV.
Desde então, vem alargando os limites de Hollywood por dentro, seja como diretor, seja como produtor de títulos independentes. Para comprovar basta fazer uma lista de seus últimos cinco filmes: "Erin Brockovich" e "Traffic", de 2000, "Onze Homens e Um Segredo", de 2001, este "Full Frontal" e "Solaris", ambos de 2002.
"Erin Brockovich" é até certo ponto tradicional, lhe valeu cinco indicações ao Oscar e a estatueta a Julia Roberts, além de criar um produtivo elo entre os dois e render US$ 130 milhões na bilheteria. Foi o filme que lhe abriu as portas dos grandes estúdios.
Em vez de sentar sobre os louros e entrar no piloto automático, ele inovou na sequência com o thriller "Traffic", encarado por alguns como proselitista, mas na verdade um dos retratos mais cruéis e originais já feitos sobre o mundo das drogas nos EUA.
Rendeu inesperados US$ 200 milhões, mais cinco indicações ao Oscar, entre elas a vitória na direção, em que Soderbergh concorria com ele mesmo por "Erin". Foi o filme que o consagrou como diretor ousado e o confirmou como bom de público.
De novo, uma guinada: no ano seguinte, a refilmagem de um título que não era grande coisa originalmente (OK, reunia o Rat Pack original, mas só) e virou um divertido "filme de roubo": "Onze Homens e Um Segredo", dessa vez reforçando seus laços com George Clooney.
Vem este exercício estético "Full Frontal", que comprova que o diretor está no cobiçado patamar dos que podem fazer o que quiser com seu tempo livre, e então a surpresa: "Solaris", refilmagem da importante obra homônima de 1972 de Andrei Tarkovsky (1932-1986), por sua vez uma adaptação do romance do ucraniano Stanislaw Lem.
O filme estréia dia 27 nos EUA, reúne Clooney e Natascha McElhone nos papéis principais e é uma delicada homenagem ao cineasta bielo-russo, a Stanley Kubrick (1928-1999) e seu "2001", a Philip K. Dick (1928-1982) e seu "Blade Runner" e a todos os grandes nomes que um dia se dedicaram à ficção científica.
Ao não ceder à tentação de glamourizar o ritmo quase bergmaniano do roteiro original -que usa estranhos acontecimentos numa estação espacial perto do sistema Solaris para tentar responder ao questionamento mais antigo da humanidade (Quem somos? De onde viemos? Para onde vamos?)-, o "Solaris" de Soderbergh é antes de tudo uma declaração de princípios.
É por isso tudo que você sai de "Full Frontal" esfregando as mãos e imaginando, animado: "O que será que Steven Soderbergh vai aprontar agora?".

Full Frontal
Idem


    
Direção: Steven Soderbergh
Produção: EUA, 2002
Com: David Duchovny, Catherine Keener, Julia Roberts
Onde: a partir de hoje nos cines Center Iguatemi 1 e circuito



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