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"O AMANTE BRASILEIRO"
Troca de e-mails entre namorados torna atual o romance epistolar
MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA
Enfrentando a máxima de
Álvaro de Campos e Fernando Pessoa, de que "todas as cartas
de amor são ridículas", Betty Milan escreveu uma narrativa baseada não em missivas, mas em e-mails trocados por um casal de
enamorados. Ou seja, o e-mail é a
matéria-prima do romance epistolar de nosso tempo.
Clara é uma jornalista brasileira
que, correspondente em Paris,
apaixona-se pelo professor universitário Sébastien. Trata-se de
um amor maduro. Tanto um
quanto o outro poderiam dizer,
inspirados em Elizabeth Browning: "Amo-te com o amor que
senti perder com meus santos
perdidos".
Sébastien, por exemplo. Casou-se com uma mulher frígida. Sem
querer traí-la, absteve-se do sexo
durante anos. Clara representa o
seu reencontro com os prazeres
vêneros. Mas, segundo a brasileira, o amor entre eles deve transcender a carne: "Não existe amor
(...) quando só o gozo importa".
Findo o trabalho de Clara em
Paris, ela retorna ao Brasil. A troca
de e-mails marca o compasso de
espera, antegozo e angústia dos
amados, enquanto aguardam o
jornal reenviar sua repórter à capital francesa.
Nesse meio tempo, Clara responde a e-mails de leitores às voltas com aflições amorosas. A
maioria encontrou sua contraparte na internet. Ao contrário do
percurso de Clara e Sébastien, que
se conhecem de fato para depois
se relacionarem pela via eletrônica, os queixosos sentem dificuldade em passar da virtualidade à
realidade.
Mas os conflitos dos leitores parecem mais concretos que os dos
protagonistas. Como os enamorados de Platão, que julgam encontrar a metade perdida de si no
outro, Clara e Sébastien pairam
acima das vicissitudes da vida.
A indistinção já se expressa no
título: o amante brasileiro é, na
verdade, um francês. Cada um
acredita encontrar os sinais da nacionalidade do outro em seu país.
Sébastien ouve os sinos badalarem no ritmo do samba e vê o Sena adquirir a cor da garapa. Se ele
se sente brasileiro, Clara devolve:
"Nós dois somos parisienses".
No fim, nem Paris nem Rio. Eles
almejam a Grécia mítica, o berço
do sentimento sublime. Também
se comparam a Papagueno e Papaguena, os namorados de "A
Flauta Mágica", tão parecidos que
até no nome se espelham.
Cegada pelo amor, Clara aconselha os leitores em suas dores
amorosas. Os padecimentos dos
últimos estão imersos no mundo:
perversões, culpas, brigas, desilusões. Com os queixosos e com o
editor de Clara, que fala da violência urbana, forja-se nossa ligação
à realidade.
O inimigo dos amantes é o cotidiano, conforme diz Clara a Sébastien: "Você e eu somos parceiros de sonhos, porque nenhum se
deixa devorar pela realidade". O
amor é uma embarcação frágil,
que navega mais facilmente nas linhas etéreas da grande rede eletrônica do que no mar traiçoeiro
da vida como ela é.
O Amante Brasileiro
Autor: Betty Milan
Editora: A Girafa
Lançamento: dia 25, a partir das 19h, na
Livraria Cultura - Conjunto Nacional (r.
Padre João Manuel, 40, loja 151; tel. 0/
xx/11/3285-4033)
Quanto: R$ 26 (152 págs.)
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