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biblioteca Folha
"No Caminho de Swann", do escritor francês, é lançado amanhã
Marcel Proust faz reflexão sobre tempo e linguagem
MARCOS FLAMÍNIO PERES
EDITOR-ADJUNTO DO MAIS!
Quando Marcel Proust publicou em 1913 "No Caminho de
Swann", primeiro volume de "Em
Busca do Tempo Perdido", ele tinha claro que estava iniciando
uma das experiências mais inovadoras da história do romance. Dividido em sete volumes, esse ciclo
arrojado, de concepção arquitetônica construída sobre "o edifício
imenso da lembrança", se organiza a partir do elemento mais volátil possível -o tempo, que pela
primeira vez é elevado de forma
ostensiva a elemento estruturador de uma obra romanesca.
Não o tempo da "memória voluntária, da inteligência", mas o
da memória do narrador -"involuntária", necessariamente
particular e restritiva, que reagrupa e ressuscita impressões, sensações e idéias ligadas à experiência.
Para recuperar o passado, "todos os esforços de nossa inteligência são inúteis. Ele (...) está escondido em algum objeto material
(na sensação que nos daria esse
objeto material) de que não suspeitamos (...)", diz o narrador no
capítulo inicial, "Combray".
Esse objeto e sua sensação se
materializam em uma das cenas
mais citadas e talvez menos lidas
da história da literatura -a da
"madeleine" embebida no chá,
que desperta no narrador uma
"associação de lembranças" ligadas à Combray, onde passava as
férias quando garoto: "As pessoas
do vilarejo e seus pequenos negócios e a igreja e toda Combray e
suas redondezas, tudo o que adquire forma e solidez saiu, cidade
e jardins, de minha xícara de chá".
Intoxicação pelos sentidos que é
destrinchada exaustivamente pelo narrador, não por acaso um escritor. Toda a obra não apenas reflete sobre o tempo, mas também
sobre o próprio ato da escrita.
No capítulo seguinte, "Um
Amor de Swann", as análises psicológicas penetrantes roem até o
osso as motivações das personagens, como se se tratasse de um
ponto de vista naturalista cujo objeto não é apenas a sociedade, mas
a própria psique. O requintado
Charles Swann, apaixonado pela
cortesã Odette -em quem reconhece poucas qualidades, mas de
quem não consegue se desligar-,
é tratado de forma patológica pelo
autor, que transforma sua paixão
-"uma doença"- em estudo
sobre os mecanismos do ciúme.
De caráter autobiográfico
(Proust era assíduo frequentador
dos salões parisienses), "No Caminho de Swann" satiriza de forma devastadora a vida mundana
de Paris, tanto a dos "habitués"
dos salões da aristocracia -"os
entediados"- quanto a dos
"fiéis" dos salões da burguesia.
Mas o legado de Proust ao romance não teria de modo algum a
mesma força hoje sem o trabalho
revolucionário da linguagem. Seu
fraseado complexo, repleto de
orações intercaladas, busca mimetizar o próprio ritmo da língua
oral. Sabe-se que ele exigiu de seu
editor que fossem suprimidos de
"No Caminho de Swann" os travessões que marcam as falas, de
modo que pudesse ser lida e sentida como um fluxo temporal contínuo. Não foi atendido.
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