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LIVRO/LANÇAMENTO
Ismail Xavier publica "O Olhar e a Cena", em que analisa melodramas e adaptações de Nelson Rodrigues
Produção brasileira atual é "cinema-ONG"
ALCINO LEITE NETO
EDITOR DE DOMINGO
Os melhores livros sobre cinema são aqueles que nos ajudam a
compreender não apenas as imagens em movimento, mas também o movimento da História
nos próprios filmes. E é esse um
dos principais méritos de "O
Olhar e a Cena", de Ismail Xavier,
lançado pela Cosac & Naify.
O livro tem duas partes. Na primeira, faz uma completa genealogia da manifestação do melodrama no cinema. Na segunda, examina uma vasta coleção de adaptações cinematográficas de peças
de Nelson Rodrigues.
A seguir, Ismail Xavier, 56, fala
do papel social do melodrama e
do cinema brasileiro atual. "É um
cinema-ONG", diz ele.
Folha - Por que o melodrama se
impôs tanto ao cinema desde os
primórdios dessa arte?
Ismail Xavier - O circuito cultural
e o espaço do imaginário que o cinema passa a ocupar vêm substituir outras formas de entretenimento que já vinham do século
19, como o circo e o teatro popular. A indústria canalizou a produção cinematográfica para responder a uma demanda de grandes públicos.
A partir da Revolução Francesa
e da Revolução Industrial, há a
ruptura com uma sociedade de
estamentos, em que se tem classes
bastante estanques. Ocorre também o desenvolvimento do capitalismo, que cria uma instabilidade permanente. Num aspecto, o
melodrama se engata nessa aceleração e, noutro, fornece balizas
para que o espectador encontre
um guia no plano da moralidade,
um mundo que ainda tem espaço
para reconciliações.
Folha - Como o sr. interpretaria o
cinema brasileiro atual à luz de sua
análise do melodrama?
Xavier - O cinema brasileiro tem
hoje uma afinidade com aquilo
que é o ideário das ONGs, é um cinema-ONG. Ele coloca os personagens nesta encruzilhada: ou
eles encontram a arte ou vão para
a violência, como em "Cidade de
Deus". Claro que o cinema está fazendo isso porque a sociedade vive o mesmo processo. Não estou
querendo cobrar que o cinema dê
recados pedagogicamente simples numa situação como a nossa.
Mas é interessante ver como as estruturas dramáticas estão muito
mais ajustadas para expor mecanismos de expressão de projetos
de vingança ou de uma saída a
partir do assistencialismo do que
de qualquer outra forma de encaminhamento das coisas.
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