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São Paulo, sábado, 22 de novembro de 2003

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LIVRO/LANÇAMENTO

Ismail Xavier publica "O Olhar e a Cena", em que analisa melodramas e adaptações de Nelson Rodrigues

Produção brasileira atual é "cinema-ONG"

ALCINO LEITE NETO
EDITOR DE DOMINGO

Os melhores livros sobre cinema são aqueles que nos ajudam a compreender não apenas as imagens em movimento, mas também o movimento da História nos próprios filmes. E é esse um dos principais méritos de "O Olhar e a Cena", de Ismail Xavier, lançado pela Cosac & Naify.
O livro tem duas partes. Na primeira, faz uma completa genealogia da manifestação do melodrama no cinema. Na segunda, examina uma vasta coleção de adaptações cinematográficas de peças de Nelson Rodrigues.
A seguir, Ismail Xavier, 56, fala do papel social do melodrama e do cinema brasileiro atual. "É um cinema-ONG", diz ele.

Folha - Por que o melodrama se impôs tanto ao cinema desde os primórdios dessa arte?
Ismail Xavier -
O circuito cultural e o espaço do imaginário que o cinema passa a ocupar vêm substituir outras formas de entretenimento que já vinham do século 19, como o circo e o teatro popular. A indústria canalizou a produção cinematográfica para responder a uma demanda de grandes públicos.
A partir da Revolução Francesa e da Revolução Industrial, há a ruptura com uma sociedade de estamentos, em que se tem classes bastante estanques. Ocorre também o desenvolvimento do capitalismo, que cria uma instabilidade permanente. Num aspecto, o melodrama se engata nessa aceleração e, noutro, fornece balizas para que o espectador encontre um guia no plano da moralidade, um mundo que ainda tem espaço para reconciliações.

Folha - Como o sr. interpretaria o cinema brasileiro atual à luz de sua análise do melodrama?
Xavier -
O cinema brasileiro tem hoje uma afinidade com aquilo que é o ideário das ONGs, é um cinema-ONG. Ele coloca os personagens nesta encruzilhada: ou eles encontram a arte ou vão para a violência, como em "Cidade de Deus". Claro que o cinema está fazendo isso porque a sociedade vive o mesmo processo. Não estou querendo cobrar que o cinema dê recados pedagogicamente simples numa situação como a nossa. Mas é interessante ver como as estruturas dramáticas estão muito mais ajustadas para expor mecanismos de expressão de projetos de vingança ou de uma saída a partir do assistencialismo do que de qualquer outra forma de encaminhamento das coisas.


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