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LITERATURA
Didática nacional e popular de um crítico de música
GILBERTO FELISBERTO VASCONCELLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA
José Ramos Tinhorão é um
clássico da sociologia da música, um estudioso crítico da cultura à maneira de Walter Benjamin,
de Theodor Adorno ou de Franklin de Oliveira que continua valendo-se do método marxista na
abordagem das criações populares em sociedade dividida em
classes. O autor não abdica do
conceito segundo o qual, numa
sociedade que é de classe, a cultura também o é.
Minha geração década de 70,
entrando atualmente na casa dos
50 anos, assistiu ao seu melancólico ostracismo arredado das páginas dos periódicos como crítico
de música popular, sendo talvez
delas banido por obra e graça dos
imperialismos fonográficos, de
determinados intelectuais cosmopolitas e compositores enredados na trama da dominação
tecnológica e cultural.
Estigmatizado de retrógrado, de
ultrapassado, de xenófobo, de valorizar o músico analfabeto e pichar os compositores de classe
média. O que merece no entanto
destaque em José Ramos Tinhorão é a sua reflexão sobre as manifestações culturais e os estágios do
desenvolvimento tecnológico,
distinguindo com rigor as sociedades dotadas de tecnologia própria e aquelas sociedades tecnologicamente reflexas e subalternas.
A questão musical popular não
se coloca em termos de mera influência estrangeira ou não, mas
sim em conexões de sentido entre
tecnologia e colonização. Por
meios tecnológicos entende-se os
meios "de recolher, guardar, reproduzir, divulgar sons". Existem
pacotes tecnológicos que nos chegam de fora e prontinhos assim
como pacotes musicais. One step,
jazz-band, rock, tecno-music,
musical instruments digital interface e por aí vai, a ponto de Tinhorão antecipar a profecia do ocaso
do artista ou do compositor na
produção de música popular de
massa com "samplers" e "sequencers". Fora daí são os pequenos
nichos, mantida a divisão entre
metrópoles e colônias.
É que quanto mais se sofistica a
tecnologia dos meios de comunicação, maior a dependência da
mercadoria cultural, junto com a
progressiva extinção das sonoridades regionais. A tendência é do
ouvido perder inteiramente o território. Enfim, música é política,
isto é, poder: "O universal da classe média brasileira acaba sendo o
regional das classes médias de
países poderosos economicamente". Explica-se estética e historicamente o fascínio de José Ramos Tinhorão pelo choro, o nosso
chorinho tocado de ouvido, indo
além da partitura, flauta, violão e
cavaquinho. O primeiro estilo urbano de música brasileira. Villa-Lobos foi no choro auscultar o desejo do povo.
Com as partituras de piano até o
final do século 19, ainda era possível "reinterpretar" de acordo com
a cor e sensibilidade locais; depois, mediante a reprodução mecânica, a "boca do fonógrafo" impôs a autoridade do paradigma
psicológico colonial. Veio o gramofone, veio o disco, o paraíso da
música estrangeira nas cidades,
ou seja, o conceito de música popular brasileira tornou-se problemático no século 20.
Cinema falado. Broadway. As
"máquinas falantes", propriedades e veículos das multinacionais,
ganharam o nome bandeiroso:
"Internacional Talking Machine".
Essa acústica antinós provocará,
no decurso do tempo colonial, o
que hoje estamos vivendo: "Os
modernos meios de comunicação, considerando-se sua origem
estrangeira, continuarão a trabalhar contra a cultura brasileira, de
uma maneira em geral, e contra a
criação de uma música popular
de caráter local, em particular".
José Ramos Tinhorão continua
agora com um primoroso ensaio
acerca da fácil aceitação da bossa
nova e da tropicália aplaudidas
pelas elites paulistas. "O Trajeto
Paris-Texas das Elites de São Paulo". O cake-walk. A recepção deslumbrada a tudo que é internacional. A Jovem Guarda. O Fino da
Bossa. O "iê-iê-iê diluído do rock
americano, via adaptação badalística inglesa pelo grupo dos Beatles". O caubói-brega-sertanejo-country-peagadê é quem faz a
passagem da Faculdade de Filosofia da USP para o Teatro da TV
Record, junto à conversação do
"caipira Jeca Tatu em texano da
terra do Marlboro". Eis São Paulo
sob o prisma que abre o excelente
livro de José Ramos Tinhorão: "A
Vocação Caipira de uma Cidade
Cosmopolita".
Cultura Popular
![](http://www.uol.com.br/fsp/images/ep.gif)
Autor: José Ramos Tinhorão
Editora: 34
Quanto: R$ 22 (192 págs.)
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