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LIVROS/LANÇAMENTOS
"PARQUE DOS CERVOS"
Romance retrata a decadência hollywoodiana
Narrador de Norman Mailer frustra projeto ambicioso
RINALDO GAMA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Aclamado em 1948, quando
estreou com o romance "Os
Nus e os Mortos", como o maior
talento literário americano do
pós-guerra, Norman Mailer dividiu a crítica ao publicar sua terceira obra no gênero, "Parque dos
Cervos" (1955). Embora tenha sido considerado superior a "Barbary Shore" (1951), seu segundo
romance, "Parque dos Cervos",
que acaba de sair pela editora Record, esteve longe da unanimidade da estréia. Na mesma semana
foi destruído pela revista "Time" e
saudado com entusiasmo pela
"Newsweek" (resenhas reproduzidas na edição brasileira).
Passadas quase cinco décadas
de seu aparecimento, o polêmico
romance de Mailer, 78, pode ser
agora analisado com maior serenidade. É um exagero afirmar, como fez a "Time", que "não há
muito a entender nesta narrativa
sobre a vida da fauna cinematográfica da Costa Oeste". Contudo,
não se pode deixar de reconhecer
que se trata de um livro desigual,
distante, portanto, da classificação de "grande romance" que lhe
atribuiu o artigo da "Newsweek".
"Parque dos Cervos" teve uma
trajetória atribulada. Num posfácio desconcertante de sinceridade, o autor conta o seu empenho
para tentar salvar o romance.
Após recusar uma primeira versão do livro, o editor de Mailer
concordara, de má vontade, em
publicar a segunda. Porém cismou com uma passagem que punha em cena um velho produtor
de cinema e uma garota de programa. Sob argumentos moralistas, tentou censurá-la.
Como o ficcionista se recusou a
eliminar o parágrafo, o editor sentiu-se no direito de anular o contrato que tinha com ele. Talvez
quisesse apenas um pretexto para
se livrar de um romance que considerava ruim; o fato é que, a partir de tal desfecho, Mailer se viu
batendo de porta em porta atrás
de quem acolhesse o livro.
Recusado por seis editoras, ele
acabaria aceito pela Putnam. Na
hora da revisão das provas, seria a
vez de o autor rejeitar seu próprio
trabalho. "Depois de três anos vivendo com o livro, eu podia finalmente admitir que o estilo estava
errado, que eu vinha estrangulando a vida do meu romance numa
prosa poética que era falsa em relação à vida de meus personagens
e especialmente falsa em relação à
vida de meu narrador", anota
Norman Mailer no posfácio. Durante meses, sob um intenso consumo de drogas, ele reviu "Parque
dos Cervos" "frase por frase, palavra por palavra". Com isso, "o estilo perdeu o verniz, tornou-se áspero e, posso dizer, real", acredita.
Nunca se saberá o quanto o romance mudou, o que importa é o
resultado. O maior problema do
livro, conforme detectara o ficcionista, era -e continuou sendo-
o narrador, um certo Sergius O'Shaugnessy, ex-tenente da Força
Aérea, crescido num orfanato e
traumatizado porque lançara
bombas em aldeias coreanas.
Com US$ 14 mil no bolso, Sergius instala-se em Desert D'Or,
um luxuoso balneário a 380 quilômetros de Hollywood. Lá, entra
em contato com um cineasta atormentado pelo Comitê de Atividades Subversivas (Charles Francis
Eitel), sua ex-mulher, uma atriz
egocêntrica (Lulu Meyers), a nova
companheira (Elena Esposito),
um típico chefe de estúdio (Herman Teppis), agentes, prostitutas,
homossexuais. Envolvido nesse
mundo, O'Shaugnessy decide tornar-se escritor: por isso lemos
"Parque dos Cervos".
Se a prosa do ex-tenente da Força Aérea ficou "mais real" depois
da cirurgia, sua posição diante daquilo que ele narra deixa a desejar.
Da maneira como o livro está
construído, a onisciência exibida
pelo narrador mostra-se, em certas passagens, descabida. Nessas
horas, a sensação é de que teria sido melhor se Mailer houvesse
transformado Sergius O'Shaugnessy em mais um dos protagonistas do romance e adotado a
narrativa em terceira pessoa.
Há que se admitir, entretanto,
que alguns capítulos são impecáveis. Um exemplo é o que mostra
Herman Teppis tentando convencer o ator Teddy Pope e Lulu
Meyers a se casarem. Detalhe: Pope é homossexual e Lulu acabou
de se casar com outro.
Apesar do grande número de
personagens masculinos, as mulheres destacam-se. Não por uma
suposta onipotência, mas porque
conseguem revelar maior autenticidade. Considerando que "Parque dos Cervos" é um painel da
decadência, não por acaso seu título se refere a um balneário sexual mantido por Luís 15 numa
França decadente, às vésperas da
Revolução -essa talvez seja a sua
lição mais importante.
Com referências explícitas a Ernest Hemingway e implícitas a
Nathanael West, "Parque dos
Cervos" era, na origem, um projeto ambicioso. Abatido com tudo o
que aconteceu, Norman Mailer só
voltaria a publicar outro livro de
ficção dez anos depois dele. Desde
então superou-o várias vezes confirmando que a consagração de
crítica e público experimentada
por "Os Nus e os Mortos" não fora um lamentável equívoco.
Rinaldo Gama é editor-executivo dos
"Cadernos de Literatura Brasileira" e autor de "O Guardador de Signos: Caeiro
em Pessoa" (Perspectiva/ IMS)
Parque dos Cervos
The Deer Park
![](http://www.uol.com.br/fsp/images/ep.gif)
Autor: Norman Mailer
Tradutor: Alves Calado
Editora: Record
Quanto: R$ 40 (392 págs.)
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