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CINEMA
Festival põe em xeque novas tecnologias
Berlim projeta fusões e confusões
MARCELO TAS
especial para a Folha, em Berlim
A melhor síntese da minha semana entre os dois principais
festivais do audiovisual em Berlim (o Berlinale, de Cinema; e o
Transmediale, de novas mídias)
está mais nas ruas do que nas telas da cidade. A novíssima capital da Alemanha é tão nova, que
ainda não ficou pronta. Dez
anos depois da queda do muro,
os alemães ainda estão suando
para juntar as duas cidades: a
Berlim Ocidental e a Oriental.
No mundo das imagens em
movimento, acontece algo parecido. A palavra da hora é fusão.
Mas o que a gente vê por enquanto é uma grande confusão.
Confusão de tecnologia e de linguagens. Os apressadinhos de
plantão já vendem a salvação do
cinema pelas novas câmeras digitais de alta definição. Ao mesmo tempo, já se ouve os muxoxos da velha guarda cinematográfica contra a nova tecnologia
e a garotada que vem junto com
ela.
Talvez não por acaso, a nova
sede do Berlinale fica exatamente no centro da fusão (e da confusão) das duas Berlim: Potsdamer Platz. Antigamente, era a
praça central da cidade. Depois
do muro, virou um grande terreno baldio, assombrado pelos
fantasmas da Guerra Fria. Por isso, os anjos sobre Berlim em
"Asas do Desejo", de Wim Wenders, ficavam repetindo: "Não
consigo encontrar Potsdamer
Platz". E agora, neste início de
2000, operários (a maioria poloneses) correm contra o relógio
para transformar Potsdamer em
epicentro da nova Europa.
O primeiro conjunto de edifícios que ficou pronto -com hotéis, shoppings e restaurantes-
foi usado como sede da 50ª edição do tradicional Festival de Cinema. É algo em torno de quatro
ou cinco quarteirões de cubos,
elipses e cones de aço e vidro.
Nada que lembre a arquitetura
do resto da cidade. E sim uma
espécie de Las Vegas desenhada
por japoneses ou, talvez pelo diretor de arte de "Metrópolis", de
Fritz Lang. Há prédios arrojados
e bonitos; outros de gosto duvidoso. Mas todos têm uma coisa
comum: parecem ter custado
muito caro.
Foi dentro de um deles, que
Wim Wenders mostrou trechos
ainda não acabados da sua experiência mais recente com cinema
digital: um videoclipe com os irlandeses do U2. A qualidade das
imagens da nova câmera cinematográfica digital da Sony é
mesmo surpreendente. "Melhor
que 35 milímetros", gritam os
apressadinhos do digital.
Mas o próprio Wenders parece carregar dentro de si a confusão dominante. Encerrou com
uma certa melancolia, dizendo
ter saudades das filmagens do
seu aclamado "Buena Vista Social Club", que realizou com câmeras de vídeo baratas e equipes
reduzidíssimas de três pessoas.
Supercâmera
Tal façanha é totalmente impossível com a nova supercâmera, que requer as mesmas equipes gigantescas e, pior, o mesmo
tipo de orçamento proporcionalmente gigantesco do cinemão tradicional.
Talvez também, não por acaso,
o Transmediale, Festival de Vídeo e Novas Mídias, fica longe
dali, no antigo centro de Berlim
Oriental: Alexander Platz. A antiga Berlim socialista é hoje o
centro da moçada animada, a
Vila Madalena da "alemãozadinha" moderna.
Mais do que no Berlinale, a
discussão e a mão na massa em
direção ao futuro do audiovisual
acontece no Transmediale. É um
encontro entre senhores idosos
que na década de 80 foram definidos como videomakers (entre
eles, este que vos fala), com uma
garotada que já está navegando
nas águas da convergência das
mídias (animação, CD-ROM,
internet, cinema e TV).
O foco principal está nos DV
filmes, captados com vídeo digital e depois transferidos para 35
milímetros. Aqui, a distância entre TV, vídeo, internet e cinema
é pequena. "Screen Arts" já é o
novo nome do curso de cinema
na Northern Media Scholl, uma
das mais respeitadas e disputadas da Inglaterra. Jan Wortm, a
atual cabeça da escola, veio ao
Transmediale apresentar "Another George", um longa feito
com uma câmera miniDV, a
preferida do Wenders.
Atraente e consistente como
poucos no festival de cinema de
gente grande, em Potsdamer
Platz, o filme é uma amostra das
fusões que podem vir por aí. Foi
rodado na Inglaterra, com atores
falando francês, e dirigido a quatro mãos por um uruguaio e um
japonês (Pablo Casacuberta e
Yukihiko Goto).
Vou voltar de Berlim com quatro perguntas para você me responder depois: O DV-vídeo digital pode ajudar a abreviar a peregrinação atrás de dinheiro, o
que consome 2/3 da vida de um
cineasta? O DV representa um
novo cinema? O DV pode ser
uma saída para distribuição de
cinema em lugares dominados
pelo império de Hollywood como o Brasil? Por que o cinema
brasileiro ainda não conseguiu
incorporar com elegância e eficiência a linguagem do vídeo e
da TV, que batem tão forte no
paladar audiovisual desse país?
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