São Paulo, quarta-feira, 23 de fevereiro de 2000


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CINEMA
Festival põe em xeque novas tecnologias
Berlim projeta fusões e confusões

MARCELO TAS
especial para a Folha, em Berlim

A melhor síntese da minha semana entre os dois principais festivais do audiovisual em Berlim (o Berlinale, de Cinema; e o Transmediale, de novas mídias) está mais nas ruas do que nas telas da cidade. A novíssima capital da Alemanha é tão nova, que ainda não ficou pronta. Dez anos depois da queda do muro, os alemães ainda estão suando para juntar as duas cidades: a Berlim Ocidental e a Oriental.
No mundo das imagens em movimento, acontece algo parecido. A palavra da hora é fusão. Mas o que a gente vê por enquanto é uma grande confusão. Confusão de tecnologia e de linguagens. Os apressadinhos de plantão já vendem a salvação do cinema pelas novas câmeras digitais de alta definição. Ao mesmo tempo, já se ouve os muxoxos da velha guarda cinematográfica contra a nova tecnologia e a garotada que vem junto com ela.
Talvez não por acaso, a nova sede do Berlinale fica exatamente no centro da fusão (e da confusão) das duas Berlim: Potsdamer Platz. Antigamente, era a praça central da cidade. Depois do muro, virou um grande terreno baldio, assombrado pelos fantasmas da Guerra Fria. Por isso, os anjos sobre Berlim em "Asas do Desejo", de Wim Wenders, ficavam repetindo: "Não consigo encontrar Potsdamer Platz". E agora, neste início de 2000, operários (a maioria poloneses) correm contra o relógio para transformar Potsdamer em epicentro da nova Europa.
O primeiro conjunto de edifícios que ficou pronto -com hotéis, shoppings e restaurantes- foi usado como sede da 50ª edição do tradicional Festival de Cinema. É algo em torno de quatro ou cinco quarteirões de cubos, elipses e cones de aço e vidro. Nada que lembre a arquitetura do resto da cidade. E sim uma espécie de Las Vegas desenhada por japoneses ou, talvez pelo diretor de arte de "Metrópolis", de Fritz Lang. Há prédios arrojados e bonitos; outros de gosto duvidoso. Mas todos têm uma coisa comum: parecem ter custado muito caro.
Foi dentro de um deles, que Wim Wenders mostrou trechos ainda não acabados da sua experiência mais recente com cinema digital: um videoclipe com os irlandeses do U2. A qualidade das imagens da nova câmera cinematográfica digital da Sony é mesmo surpreendente. "Melhor que 35 milímetros", gritam os apressadinhos do digital.
Mas o próprio Wenders parece carregar dentro de si a confusão dominante. Encerrou com uma certa melancolia, dizendo ter saudades das filmagens do seu aclamado "Buena Vista Social Club", que realizou com câmeras de vídeo baratas e equipes reduzidíssimas de três pessoas.

Supercâmera
Tal façanha é totalmente impossível com a nova supercâmera, que requer as mesmas equipes gigantescas e, pior, o mesmo tipo de orçamento proporcionalmente gigantesco do cinemão tradicional.
Talvez também, não por acaso, o Transmediale, Festival de Vídeo e Novas Mídias, fica longe dali, no antigo centro de Berlim Oriental: Alexander Platz. A antiga Berlim socialista é hoje o centro da moçada animada, a Vila Madalena da "alemãozadinha" moderna.
Mais do que no Berlinale, a discussão e a mão na massa em direção ao futuro do audiovisual acontece no Transmediale. É um encontro entre senhores idosos que na década de 80 foram definidos como videomakers (entre eles, este que vos fala), com uma garotada que já está navegando nas águas da convergência das mídias (animação, CD-ROM, internet, cinema e TV).
O foco principal está nos DV filmes, captados com vídeo digital e depois transferidos para 35 milímetros. Aqui, a distância entre TV, vídeo, internet e cinema é pequena. "Screen Arts" já é o novo nome do curso de cinema na Northern Media Scholl, uma das mais respeitadas e disputadas da Inglaterra. Jan Wortm, a atual cabeça da escola, veio ao Transmediale apresentar "Another George", um longa feito com uma câmera miniDV, a preferida do Wenders.
Atraente e consistente como poucos no festival de cinema de gente grande, em Potsdamer Platz, o filme é uma amostra das fusões que podem vir por aí. Foi rodado na Inglaterra, com atores falando francês, e dirigido a quatro mãos por um uruguaio e um japonês (Pablo Casacuberta e Yukihiko Goto).
Vou voltar de Berlim com quatro perguntas para você me responder depois: O DV-vídeo digital pode ajudar a abreviar a peregrinação atrás de dinheiro, o que consome 2/3 da vida de um cineasta? O DV representa um novo cinema? O DV pode ser uma saída para distribuição de cinema em lugares dominados pelo império de Hollywood como o Brasil? Por que o cinema brasileiro ainda não conseguiu incorporar com elegância e eficiência a linguagem do vídeo e da TV, que batem tão forte no paladar audiovisual desse país?


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