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CRÍTICA
Fruto do desencanto
ESPECIAL PARA A FOLHA
Mais do que filiar este belo
filme de amor de Wong
Kar-wai ao clássico romântico de
David Lean "Brief Encounter",
também uma história de amor
adúltero sublimado, seria preciso
tomar-lhe emprestado o equivocado título em português, "Desencanto". Pois, ao contrário da
pequena obra-prima de Lean, é
do mais puro desencanto que
nasce o amor no filme de Kar-wai.
"Amor à Flor da Pele" é a história da união de dois seres melancólicos minados pela traição de
seus respectivos cônjuges (amantes um do outro). Os dois casais
mudam-se, num mesmo dia, para
um mesmo prédio, e o fato de o
senhor Mo-wan e da senhora
Chan estarem fazendo a mudança
sem a ajuda de seus respectivos
cônjuges (ausência sacramentada, de resto, pela câmera de Kar-wai) prenuncia o abandono em
que os dois se encontrarão.
Ela (Maggie Cheung, encantadora) é uma boa mulher, e ele
(Tony Leung), um marido honrado, mas, apesar de exemplares,
ambos são facilmente largados,
provavelmente por desconhecerem a paixão carnal. Desencantados, se unirão somente pela necessidade de compreender o que
houve com os seus casamentos.
Os personagens são por demais
conscienciosos, e será preciso que
a câmera de Kar-wai flagre a linguagem de seus corpos para restituir-lhes a sensualidade. Assim,
enquanto os dois ensaiam entre si
a melhor maneira de arrancar
uma confissão de seus cônjuges, o
cineasta ensaia as diversas possibilidades de consumar um primeiro toque entre seus corpos.
Pesquisando os gestos, Kar-wai
nos promete os "fragmentos de
um discurso amoroso", mas se
detém apenas no capítulo referente ao pudor. Esse é, obviamente, todo o charme do filme. Tanto
mais que o cineasta encontra, desta feita, uma vazão para o seu habitual maneirismo num certo fetichismo retrô (estampado nos infindáveis vestidos que sua musa,
Cheung, porta durante o filme)
perfeitamente adequado, tal como os clássicos latinos cantados
por Nat King Cole, ao clima nostálgico de amor platônico.
Decididos a não serem como
seus cônjuges safados, os dois
personagens sublimam qualquer
atração sexual, desenvolvendo
um vínculo algo matrimonial.
Eles ainda não sabem, mas descobriram enfim o amor.
Kar-wai desvincula-se assim da
tradição dos grandes filmes passionais, a que liga "Desencanto" à
obra-prima de De Sica, "Quando
a Mulher Erra", de encontros intensos, mas efêmeros, para buscar, no tempo, as consequências
de sua história. Ainda que justificável, tal prolongamento é um
tanto dispensável, o que não nos
impede de cairmos de amor pelo
filme.
(TIAGO MATA MACHADO)
Amor à Flor da Pele
In the Mood for Love
Direção: Wong Kar-wai
Produção: Hong Kong/França, 2000
Com: Maggie Cheung, Tony Leung
Quando: a partir de hoje nos cines
Jardim Sul, Sala UOL e circuito
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