São Paulo, sexta-feira, 23 de fevereiro de 2001

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CRÍTICA

Fruto do desencanto

ESPECIAL PARA A FOLHA

Mais do que filiar este belo filme de amor de Wong Kar-wai ao clássico romântico de David Lean "Brief Encounter", também uma história de amor adúltero sublimado, seria preciso tomar-lhe emprestado o equivocado título em português, "Desencanto". Pois, ao contrário da pequena obra-prima de Lean, é do mais puro desencanto que nasce o amor no filme de Kar-wai.
"Amor à Flor da Pele" é a história da união de dois seres melancólicos minados pela traição de seus respectivos cônjuges (amantes um do outro). Os dois casais mudam-se, num mesmo dia, para um mesmo prédio, e o fato de o senhor Mo-wan e da senhora Chan estarem fazendo a mudança sem a ajuda de seus respectivos cônjuges (ausência sacramentada, de resto, pela câmera de Kar-wai) prenuncia o abandono em que os dois se encontrarão.
Ela (Maggie Cheung, encantadora) é uma boa mulher, e ele (Tony Leung), um marido honrado, mas, apesar de exemplares, ambos são facilmente largados, provavelmente por desconhecerem a paixão carnal. Desencantados, se unirão somente pela necessidade de compreender o que houve com os seus casamentos.
Os personagens são por demais conscienciosos, e será preciso que a câmera de Kar-wai flagre a linguagem de seus corpos para restituir-lhes a sensualidade. Assim, enquanto os dois ensaiam entre si a melhor maneira de arrancar uma confissão de seus cônjuges, o cineasta ensaia as diversas possibilidades de consumar um primeiro toque entre seus corpos.
Pesquisando os gestos, Kar-wai nos promete os "fragmentos de um discurso amoroso", mas se detém apenas no capítulo referente ao pudor. Esse é, obviamente, todo o charme do filme. Tanto mais que o cineasta encontra, desta feita, uma vazão para o seu habitual maneirismo num certo fetichismo retrô (estampado nos infindáveis vestidos que sua musa, Cheung, porta durante o filme) perfeitamente adequado, tal como os clássicos latinos cantados por Nat King Cole, ao clima nostálgico de amor platônico.
Decididos a não serem como seus cônjuges safados, os dois personagens sublimam qualquer atração sexual, desenvolvendo um vínculo algo matrimonial. Eles ainda não sabem, mas descobriram enfim o amor.
Kar-wai desvincula-se assim da tradição dos grandes filmes passionais, a que liga "Desencanto" à obra-prima de De Sica, "Quando a Mulher Erra", de encontros intensos, mas efêmeros, para buscar, no tempo, as consequências de sua história. Ainda que justificável, tal prolongamento é um tanto dispensável, o que não nos impede de cairmos de amor pelo filme. (TIAGO MATA MACHADO)



Amor à Flor da Pele
In the Mood for Love

   
Direção: Wong Kar-wai
Produção: Hong Kong/França, 2000
Com: Maggie Cheung, Tony Leung
Quando: a partir de hoje nos cines Jardim Sul, Sala UOL e circuito




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