São Paulo, sexta-feira, 23 de março de 2001

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Diretor foi menino-prodígio do jornalismo musical

DE NOVA YORK

Leia a seguir entrevista que Cameron Crowe deu à Folha à época do lançamento de "Quase Famosos" nos EUA.
O cineasta é o sujeito mais invejado pelos jornalistas no mundo inteiro: começou a escrever para a "Rolling Stone" aos 16 anos, quando a revista e o rock estavam no auge, foi desvirginado por três tietes e hoje dirige filmes bacanas ("Singles", "Jerry Maguire") em Hollywood.
OK, o mais invejado por este jornalista. (SÉRGIO DÁVILA)

Folha - O que você fez entre "Quase Famosos" e "Vanilla Sky", seu próximo filme (com Tom Cruise e Cameron Diaz)?
Cameron Crowe -
Fui de férias para Londres, de onde voltei com horas e horas de imagens.
Fui ao lugar onde David Bowie gravou o primeiro clipe vestido de Ziggy Stardust. Hoje é uma xerox. Você começa a olhar com cara de curioso e o sujeito do caixa diz, com tédio: "Sim, foi filmado aqui. Você quer algo mais?".

Folha - Você ainda se sente como o menino do filme?
Crowe -
Exatamente.
Agora, as pessoas acreditam que eu sei mais do que sei, o que é muito assustador e piora muito o trabalho.
Quando eu tinha 15 anos, todo o mundo me explicava as coisas como se eu fosse de outro planeta, mas foi assim que consegui minhas melhores entrevistas.

Folha - Steve Miller não quis dar entrevista naquela época, dizendo que você era muito novo. Hoje, concordaria com ele?
Crowe -
Boa pergunta. Emocionalmente, talvez. Profissionalmente, não.
Mas tive meu coração partido algumas vezes. Ainda não tinha tido nenhuma namorada quando comecei a viajar com as bandas, então estava procurando uma garota, mas as garotas estavam procurando rockstars. Exatamente como está no filme.

Folha - Você foi mesmo desvirginado por três groupies, a lendária Pennie Lane entre elas?
Crowe -
(envergonhado) Sim. Pennie hoje em dia é uma mulher madura que tem sua própria fazenda alternativa aqui perto. Mas na época eu pensava: "Uau, este é o tipo de garota de que eu gosto, que me entende".
E elas queriam conversar comigo, claro, mas para saber mais sobre eles, os roqueiros, e o que elas deveriam fazer para conquistá-los.

Folha - Fale a verdade: você se envolveu com as bandas só para conquistar as menininhas...
Crowe -
Não deu nem tempo de pensar sobre isso, porque já estava terminando o colegial quando comecei a fazer reportagens para a "Rolling Stone".
Era realmente o que eu mais gostava de fazer, ouvir rock e escrever.

Folha - A "Rolling Stone" é hoje uma sombra do que foi, não?
Crowe -
Eu continuo não perdendo uma edição. Mas uma cena de "Quase Famosos" explica o que acho da revista hoje em dia.
Um sujeito fala: "Vamos sair na capa da "Rolling Stone", cara! Uma banda com um hit só nunca sairia na capa da "RS'!". Pois é, hoje em dia basta uma musiquinha e um bom decote...

Folha - É verdade que ninguém na revista sabia que você tinha 16 anos quando começou?
Crowe -
É verdade, mas não foi daquele jeito que o editor Ben-Fong Torres descobriu. Ele ligou para minha casa um dia e minha irmã atendeu.
Até então, eu tinha conseguido enganá-lo falando com uma voz bem grossa. Sempre achava que se eu agisse como o Robert Redford e o Dustin Hoffman no filme "Todos os Homens do Presidente", iria conseguir me safar (risos).
Sempre interrompia os telefonemas, "Espere só um minuto, Ben", mexia em uns papéis e fingia que estava muito ocupado.
Mas, no dia em que minha irmã atendeu, ela imediatamente me desmascarou. Cheguei em casa e ela veio gritando: "Acabei de contar para o Ben-Fong Torres que você tem 16 anos". Eu quase desmaiei de desespero.
Ela ainda tentou consertar: "Ele foi muito amigável. Acho que gostou de saber a verdade". Eles acabaram publicando essa história toda na revista e virou meio o meu cartão de visitas. Tornei-me o menino-prodígio, em vez do impostor.
Depois ele me disse que, quando descobriu, ficou com muita raiva, porque ele mesmo, aos 16 anos, sonhava em ser um dos repórteres da "RS"...

Folha - E sua mãe era mesmo tão presente na sua vida?
Crowe -
Exatamente como no filme, pelo menos até aquele ponto. Depois ficou mais complicado, ela começou a ler minhas reportagens e a se aprofundar no conhecimento das bandas e, claro, ficou cada vez mais preocupada (risos).
Mas ela ainda não parou de fazer campanha para que eu estude direito e abandone esta vida de cineasta, sempre envolvido com "essa gente louca"...


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