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CRÍTICA
Militarismo sobrevém a luta
TIAGO MATA MACHADO
ESPECIAL PARA A FOLHA
O roteiro de "Homens de Honra" é o bê-á-bá da tradição clássica hollywoodiana: o herói deve
reagir à situação em que se encontra, vencendo obstáculos para alcançar seu objetivo. Mas, como a
época é de revisionismo histórico
politicamente correto e o protagonista é negro, ou melhor, afro-americano, o grande obstáculo é o
racismo e o objetivo é a conquista
de uma instituição.
O filme conta a história real de
Carl Brashear (Cuba Gooding Jr.),
o primeiro negro a ser aprovado
na Escola de Mergulhadores da
Marinha norte-americana, um jovem impulsionado, segundo o redutor roteiro de Scott Marshall
Smith, pelo último conselho do
pai, um humilde agricultor do
Kentucky: "Nunca volte aqui. Lute e vença na vida".
Na prática, o pai está lançando à
sorte a vida do filho, mas, para o
roteirista, o ato é tão exemplar
que serve para nortear o protagonista na infindável batalha contra
o racismo. Sempre que está em
apuros, Carl encontra forças na
imagem e no conselho paternos.
O encarregado de obstaculizar o
caminho de Carl é o oficial Billy
Sunday (Robert De Niro), um
personagem que, apesar de frustrado, racista e traiçoeiro, no fundo representa, na perspectiva do
filme, a honra e a tradição da Marinha. De Niro retoma aqui as velhas carrancas para servir de
coadjuvante de luxo a Cuba Gooding Jr., que, depois de ofuscar
muitos astros brancos na função
de "coadjuvante negro", foi promovido, por méritos, a estrela
afro-americana.
A nova condição de Gooding Jr.,
no entanto, é maculada pelo personagem coadjuvante de De Niro.
Billy Sunday não faz parte da biografia de Brashear. Ele é uma infeliz idéia do roteirista. Ao criar,
após todo o conflito, uma identificação entre Carl e Sunday, Smith
sobrepõe, em seu roteiro, o conceito de honra à questão racial.
Em sua obstinação, Carl conquista o respeito de Sunday, mas
apenas na medida em que adere
aos valores deste. O filme, que nos
prometia contar a história de um
indivíduo que se impôs sobre a
tradição de uma instituição, de
um afro-americano que criou, na
marra, sua própria "política de
cotas", acaba nos contando, assim, a história de mais um indivíduo a se curvar à tradição (racista) de uma instituição e de um
afro-americano que aderiu à
ideologia militarista ianque.
Aceitando o apadrinhamento
de Sunday, que continua a chamá-lo de "cozinheiro", e reproduzindo o discurso dos chauvinistas
brancos, o personagem de Gooding Jr. já não pode reivindicar o
status de mito afro-americano.
Não é tanto Carl Brashear, o próprio, quem tem culpa no cartório,
mas o roteirista Scott Marshall
Smith, que acrescentou esse inoportuno personagem à biografia
do mergulhador.
Homens de Honra
Men of Honor
Direção: George Tillman Jr.
Produção: EUA, 2000
Com: Robert De Niro, Cuba Gooding Jr.
Quando: a partir de hoje nos cines
Anália Franco, Central Plaza, Interlagos,
Morumbi, Tamboré e circuito
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