São Paulo, sexta-feira, 23 de março de 2001

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CRÍTICA

Militarismo sobrevém a luta

TIAGO MATA MACHADO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O roteiro de "Homens de Honra" é o bê-á-bá da tradição clássica hollywoodiana: o herói deve reagir à situação em que se encontra, vencendo obstáculos para alcançar seu objetivo. Mas, como a época é de revisionismo histórico politicamente correto e o protagonista é negro, ou melhor, afro-americano, o grande obstáculo é o racismo e o objetivo é a conquista de uma instituição.
O filme conta a história real de Carl Brashear (Cuba Gooding Jr.), o primeiro negro a ser aprovado na Escola de Mergulhadores da Marinha norte-americana, um jovem impulsionado, segundo o redutor roteiro de Scott Marshall Smith, pelo último conselho do pai, um humilde agricultor do Kentucky: "Nunca volte aqui. Lute e vença na vida".
Na prática, o pai está lançando à sorte a vida do filho, mas, para o roteirista, o ato é tão exemplar que serve para nortear o protagonista na infindável batalha contra o racismo. Sempre que está em apuros, Carl encontra forças na imagem e no conselho paternos.
O encarregado de obstaculizar o caminho de Carl é o oficial Billy Sunday (Robert De Niro), um personagem que, apesar de frustrado, racista e traiçoeiro, no fundo representa, na perspectiva do filme, a honra e a tradição da Marinha. De Niro retoma aqui as velhas carrancas para servir de coadjuvante de luxo a Cuba Gooding Jr., que, depois de ofuscar muitos astros brancos na função de "coadjuvante negro", foi promovido, por méritos, a estrela afro-americana.
A nova condição de Gooding Jr., no entanto, é maculada pelo personagem coadjuvante de De Niro. Billy Sunday não faz parte da biografia de Brashear. Ele é uma infeliz idéia do roteirista. Ao criar, após todo o conflito, uma identificação entre Carl e Sunday, Smith sobrepõe, em seu roteiro, o conceito de honra à questão racial.
Em sua obstinação, Carl conquista o respeito de Sunday, mas apenas na medida em que adere aos valores deste. O filme, que nos prometia contar a história de um indivíduo que se impôs sobre a tradição de uma instituição, de um afro-americano que criou, na marra, sua própria "política de cotas", acaba nos contando, assim, a história de mais um indivíduo a se curvar à tradição (racista) de uma instituição e de um afro-americano que aderiu à ideologia militarista ianque.
Aceitando o apadrinhamento de Sunday, que continua a chamá-lo de "cozinheiro", e reproduzindo o discurso dos chauvinistas brancos, o personagem de Gooding Jr. já não pode reivindicar o status de mito afro-americano. Não é tanto Carl Brashear, o próprio, quem tem culpa no cartório, mas o roteirista Scott Marshall Smith, que acrescentou esse inoportuno personagem à biografia do mergulhador.



Homens de Honra
Men of Honor

 
Direção: George Tillman Jr.
Produção: EUA, 2000
Com: Robert De Niro, Cuba Gooding Jr.
Quando: a partir de hoje nos cines Anália Franco, Central Plaza, Interlagos, Morumbi, Tamboré e circuito





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