São Paulo, sábado, 23 de março de 2002

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Becker expõe contradições da vida moderna

ROGÉRIO EDUARDO ALVES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

A trilha aberta pelos versos de Paulo Becker, 40, em meio à corrosão a que está sujeito o mundo contemporâneo leva da incomunicabilidade à morte, sem deixar escapar, no meio do caminho, as (tentativas de) relações humanas e a degradação dos objetos.
"Entro na cidade entoando a justiça e o amor / apaixonado como Maiakóvski / falando sozinho com as outras pessoas." Esta a abertura de "Luas de Neon", que, mesmo antes de ser livro, tinha versos estampados nas janelas dos ônibus de Porto Alegre (RS) para todo mundo ler -parte do projeto Poemas no Ônibus, promovido pela prefeitura daquela cidade. Ironia?
"Foi uma experiência muito interessante embarcar em um ônibus, geralmente lotado, em cujas janelas figurava um poema meu. Isso deu-se no início dos anos 90. Era inevitável acabar observando, dissimuladamente, se alguém esbarrava com os olhos no poema e se detinha nele, ou se todos estavam atentos a outras coisas. E quase sempre o poema permanecia invisível aos outros passageiros", lembra o hoje professor de teoria e crítica literária da Universidade de Passo Fundo, autor de "Mário Quintana: as Faces do Feiticeiro" (1996).
Consciente da necessidade de comunicar, esse gaúcho de Dois Irmãos não se contenta com a rotina do falar sozinho e a enfrenta mantendo um olho respeitoso no leitor. "Busco evitar sempre que possível a produção de metapoemas, não só porque Pessoa, Drummond, João Cabral e outros já exploraram com maestria os meandros e percalços da criação poética em poemas inigualáveis, como também porque, ultimamente, esse assunto tem sido explorado até a náusea por muitos poetas, e penso que isso acaba por afastar o leitor do texto poético". diz Becker.
"A poesia fica falando de si mesma e se esquece de dizer o mundo, de transmitir uma emoção do mundo. Penso que a poesia seja justamente isso, traduzir em palavras e ritmos não uma visão do mundo, mas uma emoção do mundo. E, quando os poetas conseguem fazer isso, sempre encontram leitores, ainda que poucos."
A facilidade com que se lê os poemas de Becker parecem não condizer com a densidade dos temas abordados. Influenciada pela visão do cotidiano de Manuel Bandeira e contaminada pela corrosão drummondiana, a mensagem chega clara, sem obstáculos, potencializando o efeito devastador de suas palavras.

Métrica
A frieza com que Becker caracteriza o agora e suas agruras tem na métrica dos versos seu emblema. Em tempos que muitos escritores só vêem possibilidade de expressão por versos livres, Becker encontra medida.
"Eu ainda não publiquei sonetos, mas venho utilizando cada vez menos o verso livre. É muito difícil resolver bem um poema em verso livre. E, depois, há todo esse barulho dos versolibristas atuais, e os textos de muitos deles me parecem antes prosa versificada do que poesia. Então fico temeroso de que o ouvido do público ensurdeça aos ritmos mais fluidos do verso livre, pela superexposição a essa forma."
É verdade que, neste "Luas de Neon", o poeta ainda usa a forma livre, que não deve comparecer, porém, nos seus novos textos, que serão reunidos sob o título, ainda provisório, de "Paralelepípedos": "Será composto de séries de seis sextilhas hexassílabas. É um exercício de contenção, talvez uma forma de escape ou compensação diante do caos que nos cerca".
Enquanto trabalha mais contenção para o futuro, Becker faz de seus versos, neste que é seu terceiro livro de poesia -os dois primeiros foram "Alta Tensão" e "Meus Demônios Cantam"-, um caminho para a morte: "Neste domingo chuvoso, como tantos de tuas visitas,/dou na tua sepultura, na cidade em que vieste morrer. (...) Vó, chega para lá, dá um lugar para mim." Única saída?
"Procuro expor em meu livro algumas contradições da vida contemporânea, que nos colocam como pêndulos a oscilar entre os extremos. Mas não coloco a morte como meta, a não ser em termos simbólicos. Muitas vezes é preciso que uma parte de nós morra para que a outra siga vivendo fortalecida, ou que determinada forma de ser seja abandonada para que outra se inaugure."


LUAS DE NEON - De: Paulo Becker. Editora: WS Editor (tel. 0/xx/51/3333-9965). Quanto: R$ 15 (96 págs.). Na internet: www.wseditor.com.br.



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