São Paulo, sábado, 23 de março de 2002

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LITERATURA

Evento, que tem como país-tema deste ano a Itália, vira convenção de intelectuais contra governo Berlusconi

Salão de Paris abre sob tensão política

ALCINO LEITE NETO
DE PARIS

Convencional e mercadológico, o Salão do Livro de Paris foi inaugurado anteontem para o público em clima de tensão política. A Itália é o país-tema do salão, que vai até o dia 27. Intelectuais e artistas italianos estão em pé de guerra com o governo de Silvio Berlusconi e têm encabeçado manifestações no país contra sua política.
Várias pessoas protestaram na abertura do Salão, com cartazes que diziam "Itália sim, Berlusconi não", "Resistência, Resistência", entre outras palavras de ordem. A segurança do local foi reforçada, por causa do assassinato na Itália do economista e conselheiro ministerial Marco Biaggi, reivindicado pelo grupo de extrema-esquerda Brigadas Vermelhas.
O subsecretário italiano de Cultura, Vittorio Sgarbi, presente na cerimônia de abertura, culpou a ministra de Cultura francesa, Catherine Tasca, pela manifestação às portas do Salão do Livro.
"Ela é responsável, porque foi quem primeiro fez a ligação entre a cultura e política", disse Sgarbi. A ministra francesa (socialista) declarou, em janeiro, que se recusaria a cumprimentar Berlusconi (de direita), caso ele comparecesse ao Salão. O primeiro-ministro não veio para a abertura, pois participava da conferência sobre desenvolvimento no México.
O governo Berlusconi cortou o orçamento da cultura em 3% (15 milhões de euros, ou cerca de R$ 31 milhões), demitiu o diretor da mais célebre instituição cultural italiana, a Bienal de Veneza, e nomeou seus partidários para a direção da RAI (a televisão estatal) e de outros órgãos.
As nomeações, que em qualquer governo seriam corriqueiras, na Itália adquirem um aspecto amedrontador, pois Berlusconi é um magnata da mídia, dono dos três maiores canais privados italianos, dos mais importantes grupos de produção e distribuição de filmes e vídeos, de provedores de internet e de editoras de livros (como as gigantes Mondadori e Einaudi, e outras menores).
A situação atual coloca sob controle do primeiro-ministro a principal parte do sistema de produção cultural do país. Acusações de totalitarismo foram feitas contra Berlusconi por intelectuais italianos e se espalharam pela Europa.
Por conta disso, os italianos estão sendo recebidos na França como resistentes da liberdade de expressão num mundo de oligopólios midiáticos e agentes de um grande debate que é preciso travar hoje sobre as relações entre cultura e política.
O meio cultural italiano é em boa parte dominado pela esquerda, devido a uma longa história política. É também um meio esclarecido, com abertura para a arte contemporânea. É a primeira vez que ele é afrontado com tanta força, nas últimas décadas, pela direita. Para esta, é bastante difícil achar quadros intelectuais capazes de dirigir as instituições.
Berlusconi, porém, está encontrando pouco a pouco os "seus" intelectuais. O diretor Franco Zeffirelli é conselheiro do ministro da Cultura e tem defendido a diminuição das subvenções do teatro. O crítico de arte Vittorio Sgarbi, subsecretário da Cultura, mostra ojeriza à arte contemporânea, que ele chama de "excrementícia", e pelo establishment das artes, que qualifica de "máfia".
A Bienal de Veneza será presidida por Franco Bernabé, um especialista em energia e funcionário da televisão de Berlusconi. A demissão do antigo presidente levou o diretor da Mostra de Cinema de Veneza, Alberto Barbera, a renunciar ao cargo, em protesto.


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