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LITERATURA
Evento, que tem como país-tema deste ano a Itália, vira convenção de intelectuais contra governo Berlusconi
Salão de Paris abre sob tensão política
ALCINO LEITE NETO
DE PARIS
Convencional e mercadológico,
o Salão do Livro de Paris foi inaugurado anteontem para o público
em clima de tensão política. A Itália é o país-tema do salão, que vai
até o dia 27. Intelectuais e artistas
italianos estão em pé de guerra
com o governo de Silvio Berlusconi e têm encabeçado manifestações no país contra sua política.
Várias pessoas protestaram na
abertura do Salão, com cartazes
que diziam "Itália sim, Berlusconi
não", "Resistência, Resistência",
entre outras palavras de ordem. A
segurança do local foi reforçada,
por causa do assassinato na Itália
do economista e conselheiro ministerial Marco Biaggi, reivindicado pelo grupo de extrema-esquerda Brigadas Vermelhas.
O subsecretário italiano de Cultura, Vittorio Sgarbi, presente na
cerimônia de abertura, culpou a
ministra de Cultura francesa, Catherine Tasca, pela manifestação
às portas do Salão do Livro.
"Ela é responsável, porque foi
quem primeiro fez a ligação entre
a cultura e política", disse Sgarbi.
A ministra francesa (socialista)
declarou, em janeiro, que se recusaria a cumprimentar Berlusconi
(de direita), caso ele comparecesse ao Salão. O primeiro-ministro
não veio para a abertura, pois participava da conferência sobre desenvolvimento no México.
O governo Berlusconi cortou o
orçamento da cultura em 3% (15
milhões de euros, ou cerca de R$
31 milhões), demitiu o diretor da
mais célebre instituição cultural
italiana, a Bienal de Veneza, e nomeou seus partidários para a direção da RAI (a televisão estatal) e
de outros órgãos.
As nomeações, que em qualquer governo seriam corriqueiras, na Itália adquirem um aspecto amedrontador, pois Berlusconi
é um magnata da mídia, dono dos
três maiores canais privados italianos, dos mais importantes grupos de produção e distribuição de
filmes e vídeos, de provedores de
internet e de editoras de livros
(como as gigantes Mondadori e
Einaudi, e outras menores).
A situação atual coloca sob controle do primeiro-ministro a principal parte do sistema de produção cultural do país. Acusações de
totalitarismo foram feitas contra
Berlusconi por intelectuais italianos e se espalharam pela Europa.
Por conta disso, os italianos estão sendo recebidos na França como resistentes da liberdade de expressão num mundo de oligopólios midiáticos e agentes de um
grande debate que é preciso travar hoje sobre as relações entre
cultura e política.
O meio cultural italiano é em
boa parte dominado pela esquerda, devido a uma longa história
política. É também um meio esclarecido, com abertura para a arte contemporânea. É a primeira
vez que ele é afrontado com tanta
força, nas últimas décadas, pela
direita. Para esta, é bastante difícil
achar quadros intelectuais capazes de dirigir as instituições.
Berlusconi, porém, está encontrando pouco a pouco os "seus"
intelectuais. O diretor Franco Zeffirelli é conselheiro do ministro da
Cultura e tem defendido a diminuição das subvenções do teatro.
O crítico de arte Vittorio Sgarbi,
subsecretário da Cultura, mostra
ojeriza à arte contemporânea, que
ele chama de "excrementícia", e
pelo establishment das artes, que
qualifica de "máfia".
A Bienal de Veneza será presidida por Franco Bernabé, um especialista em energia e funcionário
da televisão de Berlusconi. A demissão do antigo presidente levou
o diretor da Mostra de Cinema de
Veneza, Alberto Barbera, a renunciar ao cargo, em protesto.
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