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ARTES PLÁSTICAS
Mostra vê o sonho de De Chirico
CELSO FIORAVANTE
da Reportagem Local
Há 110 anos de seu nascimento e
20 anos de sua morte, o pintor metafísico grego de origem italiana-
Giorgio De Chirico (1888-1978)
ganha sua maior retrospectiva já
realizada no Brasil.
São 80 pinturas, 43 esculturas, 15
múltiplos e 40 jóias-esculturas em
ouro, prata e bronze exibidas a
partir de hoje no MuBE (Museu
Brasileiro da Escultura).
Com um vocabulário de imagens que reúne estátuas e arquiteturas gregas clássicas, praças desabitadas, objetos do cotidiano, animais reais e mitológicos e seres
sem rosto ou alma, De Chirico
construiu uma obra complexa,
um universo único e pessoal.
São espaços estéreis e desolados,
povoados por uma atmosfera de
sonhos e mistérios, onde toda
convivência é enigmática, porém
harmoniosa.
O teórico italiano de arte Achille
Bonito Oliva, curador-convidado
da mostra, acredita que a obra do
pintor não se resume a esse seu legado metafísico, mas se manifesta
ainda hoje, na obra dos artistas da
transvanguarda.
O curador está no Brasil para a
abertura da mostra e para divulgar
a tradução brasileira de seu livro
"A Arte até o Ano 2000" (112 páginas, R$ 35), em que detalha a trajetória da arte contemporânea a
partir dos anos 60, se atendo principalmente à transvanguarda.
Segundo Bonito Oliva, esse movimento surgiu nos anos 70 como
uma forma de superar o mito das
vanguardas, entendidas como experimentação de novas técnicas e
materiais, e promoveu a revalorização de técnicas tradicionais como pintura, escultura e desenho.
Em entrevista à Folha, Bonito
Oliva falou também sobre as influências de De Chirico e sobre a
relação conflituosa com seu irmão
Savinio.
Folha - Como a cultura filosófica
alemã caminha junto com a cultura clássica grega na obra de De
Chirico?
Achille Bonito Oliva - De Chirico vem da grande cultura alemã,
de Nietzsche e de Kierkegaard,
mas também está ligado ao mito
da origem da cultura, à antiguidade clássica grega. Nos anos 10 e 20,
a metafísica histórica se nutre do
classicismo grego.
Nos anos 60 e 70, De Chirico viveu esse classicismo mais humanamente. Para ele, o classicismo se
transforma em arqueologia e ganha uma idéia de tempo, que passa
a atravessar toda essa pintura metafísica. De Chirico começa a perceber o classicismo em uma época
globalizada, em que os mitos não
podem mais sobreviver.
Folha - Apesar dessas suas raízes,
De Chirico sempre negou suas influências...
Bonito Oliva - De Chirico aplicou o ensaio de Freud sobre a denegação, que é uma forma de afirmar por meio da negação. Todos
os artistas negam. Duchamp sempre negou ter visto os futuristas,
mas depois realizou "Nu Descendo a Escada", que é quase uma cópia de um quadro de Balla.
A história da arte sempre foi uma
história de canibalismo, sobre a
forma como você come, digere e
devolve ao mundo. O grande canibal foi Picasso, que comeu o passado, o presente e até o futuro. Ele
antecipou tudo, mas se nutriu da
história.
De Chirico se nutriu do classicismo e depois produziu uma obra
original. Ele foi influenciado iconograficamente por Böcklin, esse
grande pintor suíço, autor de
grandes náiades e grandes ninfas.
Folha - De Chirico se contaminou
com os avanços da psicanálise?
Bonito Oliva - A pintura de De
Chirico é a encenação de um sonho e, dessa forma, tem a ver com
a psicanálise. É o sonho do classicismo, mas algo que o homem não
pode mais viver. A metafísica é a
reprodução de uma arquitetura
evocativa de um classicismo que o
homem não pode mais habitar.
Folha - Qual seria o papel de Carlo Carrà na pintura metafísica?
Bonito Oliva - Os dois se encontraram em Ferrara, durante o serviço militar. Ferrara é uma cidade
que tem uma estrutura arquitetônica tipicamente renascentista. É
uma cidade metafísica. Carrà foi
um homem muito culto, mas De
Chirico teve uma grandeza maior e
torna clássica a poética metafísica.
Carrà foi um artista importante,
mas, na minha opinião, De Chirico deu o máximo de originalidade
e classicismo à metafísica. Ele foi
mais radical. Sua metafísica não
remete simplesmente a Piero della
Francesca e ao mito do "quattrocento", como aquela de Carrà. Remete à estatuária, à arquitetura e à
escultura grega.
Folha - Por que ele sempre negou seus contemporâneos?
Bonito Oliva - Isso é típico das
vanguardas, negar qualquer inspiração ou solidariedade, negar a família. Esse é um comportamento
edipiano das vanguardas: destruir
os movimentos precedentes, destruir os companheiros de estrada,
destruir a família.
Folha - A negação da família dele
se manifestou na relação conflituosa com seu irmão Savinio?
Bonito Oliva - Savinio sempre
sofreu muito com isso. Quando ele
encontrava De Chirico na rua, se
afastava chorando. Falando a verdade, De Chirico foi um grande
pintor, mas Savinio foi um grande
artista, completo, que se aproximou da pós-modernidade. Savinio
se ocupava de música, literatura,
cinema, pintura. Seu talento pode
ser medido em muitas linguagens.
Folha - De Chirico tinha ciúmes
de Savinio?
Bonito Oliva - Ciúmes acho que
não, mas De Chirico tinha esse desejo de ser "pictor maximus". Ele
não poderia fazer outra coisa que
destruir sua família. Qualquer relação familiar era um forma de fragilidade, de fraqueza existencial.
De Chirico queria viver por meio
de sua obra e não por meio de sua
vida. Qualquer dependência em
relação aos familiares era a admissão da existência de um grupo. Por
isso nunca admitiu a metafísica
como movimento ou a participação de Carrà.
Ele só pensava em pintar e em
dar entrevistas paradoxais. Ele dizia que, no escuro, olhava para as
próprias mãos e as via luminosas.
Isso porque ele acreditava ser um
alquimista, que transformava a
matéria em forma, em ouro.
Folha - Como a obra de De Chirico permanece ainda hoje?
Bonito Oliva - De Chirico é um
dos pais involuntários da transvanguarda. Na produção pictórica
de De Chirico nos anos 60 e 70, a
metafísica se tornou citação, memória, ecletismo, reciclagem de
linguagem, que são todas características comuns à transvanguarda.
O grande De Chirico não foi apenas aquele dos anos 10 e 20, mas
aquele de uma produção contínua,
completa e articulada.
O modo como se analisa De Chirico é típico da cultura americana,
que resume a história das vanguardas como um tipo de evolução
darwinista da linguagem, em que o
cubismo vai de 1907 a 1915, a metafísica vai de 1910 a 1920, o futurismo vai de 1909 a 1915.
Mas eu, como crítico europeu e
teórico italiano, acredito que De
Chirico não é apenas aquele que
realiza quadros rigorosamente
metafísicos, mas um produtor de
imagens de uma metafísica madura nos anos 60 e 70. Isso permite
que a transvanguarda trabalhe
com citação, memória, ecletismo e
contaminação.
Mostra: Giorgio De Chirico (pinturas,
esculturas, múltiplos e jóias-esculturas)
Onde: MuBE (Museu Brasileiro da
Escultura: r. Alemanha, 221, esquina com
av. Europa, tel. 011/881-8611)
Vernissage: hoje, às 19h
Quando: de terça a domingo, das 10h às
19h. Até 26 de abril
Quanto: R$ 5 e R$ 3 (estudantes). Entrada
franca às terças e para maiores de 65 anos e
menores de 10 anos
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