São Paulo, segunda, 23 de março de 1998

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"Éonoé" questiona as causas da criação humana

do enviado especial

A premiação no "fringe" do festival de Edimburgo do ano passado (um entre três premiados, em 1.643 espetáculos) atesta a qualidade do teatro do grupo Pia Fraus.
O espetáculo era "Flor de Obsessão", visto antes em São Paulo e também no último -e ótimo- festival de Curitiba. O grupo, em "Flor de Obsessão", aventurou-se pela primeira vez para além do teatro de animação.
Em "Éonoé", obra em progresso que apresentaram este final de semana no festival de Curitiba, os três integrantes do Pia Fraus deixam de vez os bonecos e tomam o palco, ao lado da talentosa -e corajosa- Carla Candiotto.
Em exercício de grande risco, trabalham com texto, o que é outra novidade, com trapézio e na rua. O espetáculo está em desenvolvimento, mas já é possível especular aonde querem chegar.
Com uma trilha que vai saltando de Raul Seixas ao bate-estaca "techno", buscam a integração da narrativa e dos semidiálogos sobre arquétipos e apocalipse com a violência física, "raw", crua, deste fim de século e milênio.
Aqui e ali, é possível distinguir alguma influência do grupo espanhol La Fura dels Baus.
O título é, em parte, um trocadilho com Noé, personagem bíblico e da própria peça. "Éonoé" toma o ato da criação do homem, depois Noé e o dilúvio como centros de uma alegoria para perguntar, como adianta o programa do espetáculo: "Quem sou eu? Existe Deus? Por que foi que eu nasci?"
A alegoria (e o texto de risco, nada convencional, de José Rubens Siqueira) vai exigir maior aprofundamento, pelos quatro atores ainda muito presos às marcações e ao desenvolvimento da criação física, mas o divertimento está garantido desde já.
"Éonoé" poderia passar facilmente como um sofisticado show de música pop. Empolga espectadores não costumeiramente voltados ao teatro, como se pôde ver na praça em que foi exibido em Curitiba.
A vigorosa, até agressiva coreografia de Adriana Grecchi, da companhia Nova Dança, é apenas um dos muitos caminhos de alta qualidade abertos por "Éonoé". Outro é a técnica circense, "suja" e bela, de Domingos Montagner. (NS)


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