São Paulo, segunda, 23 de março de 1998

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MULTIMÍDIA
Goldie





PHIL JOHNSON
do "The Sunday Review"

A grande sensação de "Saturnz Return", o novo álbum duplo da estrela do drum'n'bass Goldie, é uma extraordinária composição intitulada "Mother" (Mãe). A música parece não acabar nunca de dar seu recado, indefinidamente, por -pasmem!- 60 minutos.
Para Goldie, no entanto, uma mãe é um luxo a que só teve direito por muito pouco tempo em sua vida. Embora sua mãe continuasse a cuidar do seu irmão menor, ele foi criado em uma série de orfanatos e instituições desde os três anos de idade. Sabendo disso, escutar "Mother" é como um grito vindo do fundo do coração.
Musicalmente, "Mother" deixa o ouvinte esperando muito tempo por algum tipo de fim, e para Goldie isso acontece deliberadamente. "Eu estava sempre esperando", diz ele. "Esperando para descobrir onde estava minha mãe, esperando por sua volta, sentado num dormitório olhando a maçaneta da porta. A gente gasta um tempão fazendo isso, a começar quando se está no útero, pensando que preferiria não nascer."
"Mother' não trata só da presença física da mãe, mas também da necessidade de ser cuidado, necessidade de ter algo que me cerque. Tudo bem, posso ser melancólico, mas você acha que eu tinha o Bing Crosby cantando "White Christmas'? Eu nunca tive nada."
É difícil tentar comunicar a força da personalidade de Goldie: quão engraçado ele é, quão fácil de se gostar, quão simpático, quão perto às vezes ele parece estar de perder o controle e o quanto você gostaria de cuidar dele.
Quando entro em sua suíte no hotel Landmark, em Londres, Goldie está na cama brincando com o novo jogo de 007. Está completamente absorvido, com aqueles cabelos curtíssimos, suéter largo e jeans. Parece ter 12 anos.
É uma cena comovente que pertence à infância idílica que ele nunca teve. Depois de todas as degradações que sofreu, Goldie é agora, de verdade, o garoto de ouro, e tudo que toca vira ouro. Na garagem do hotel, está o seu mais novo brinquedo: uma moto Ducati. Ao lado, seu Porsche.
Ganha cerca de 10 mil libras para fazer um remix do disco de outra pessoa qualquer e, na véspera de Ano Novo, ganhou a mesma quantia para fazer três apresentações como DJ. Em suma, está lidando muito bem com as pressões da fama.
"Yeah!", diz ele. "Eles falam da pressão, mas não tem pressão nenhuma quando a porta esteve fechada para você o tempo inteiro. Você não consegue fazer nada certo, portanto não sabe o que é certo ou o que é errado. Você sai da sua porta todos os dias e de repente ouve alguém dizendo pra você voltar pro seu quarto. Daí um dia a porta abre e você senta na sua cama e fica horas pensando no que vai fazer. Você pode ir, mas foi condicionado durante todos esses anos a pensar que isso só pode ser uma armadilha."
"Eu passei tantos anos tentando sair da minha concha -você quer sair, mas eles estão sempre te prendendo. E quer saber? Eu os perdôo, porque foi isso que me fez ser o que sou hoje. Foi isso que me fez uma pessoa melhor", define.
Acrescenta: "Fui criado colocando a mala no chão, fazendo novos amigos, para logo depois ter de pegar a mala no chão de novo. Eu era o único que tinha de usar uniforme na quinta série, quando só usava uniforme quem quisesse. Fui forçado pelo instituto a vesti-lo, para parecer um bom menino".
"Tinha um professor de matemática que me odiava por eu não saber contar direito. Ele me odiava porque eu era um palhaço, porque eu vinha de um instituto, porque a única coisa que eu poderia fazer era isso, virar personagem."
O personagem que ele se tornou foi o homem que ele é até hoje: Goldie (ele nunca revela seu nome verdadeiro), um dos primeiros artistas de grafite da Inglaterra, dançarino de break e um dos garotos para quem a nova cultura hip hop do início dos anos 80 era menos uma moda do que um estilo de vida.
"Goldie tem estado por aí há muito mais tempo que seus dentes de ouro e seus cachos dourados", diz ele. "Pouca gente me conhece. Ninguém conhece realmente aquele garoto de escola, sabe? Goldie protegeu aquele garoto, e eu ainda sou essa criança, porque não vou crescer nunca. É importante para mim mostrar que, como artista, estou no meio do caminho. Ainda não cheguei lá."
Como um artista de grafite, ele foi um dos melhores de seu país, tendo o melhor de sua obra imortalizado no filme "Bombing", um documentário do Channel Four feito na metade dos anos 80.
Viajou de Wolverhampton, sua cidade natal, para Bristol, a fim de sair com a galera do Wild Bunch, que mais tarde se tornou o Massive Attack, o produtor Nelee Hooper e Tricky.
Depois foi para a Flórida encontrar o pai que nunca havia conhecido e lá fez mais grafite, esculpiu jóias e fez o design de seus dentes de ouro. Quando voltou, passou do hip hop para rave e ajudou a introduzir o som emergente do jungle ou drum'n'bass.
Seu début, "Timeless", de 1995, elevou-o à categoria de sucesso. Por fim, depois de uma vida inteira construindo um personagem e se preparando para a fama, Goldie chegou lá. Foram dele os dentes que inundaram milhares de capas de revista pelo mundo todo.
Goldie é um fã incondicional do jazz fusion e, segundo conta, as influências mais duráveis do seu novo álbum são do guitarrista Pat Metheny e seu tecladista Lyle Mays.
"Pat Metheny é meu herói, cara. Ele vai mixar "Sea of Tears' (de "Timeless'), e eu vou mixar duas faixas do seu CD."


Tradução Ana Carolina Mesquita



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