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MULTIMÍDIA
Goldie
PHIL JOHNSON
do "The Sunday Review"
A grande sensação de "Saturnz
Return", o novo álbum duplo da
estrela do drum'n'bass Goldie, é
uma extraordinária composição
intitulada "Mother" (Mãe). A música parece não acabar nunca de
dar seu recado, indefinidamente,
por -pasmem!- 60 minutos.
Para Goldie, no entanto, uma
mãe é um luxo a que só teve direito
por muito pouco tempo em sua vida. Embora sua mãe continuasse a
cuidar do seu irmão menor, ele foi
criado em uma série de orfanatos e
instituições desde os três anos de
idade. Sabendo disso, escutar
"Mother" é como um grito vindo
do fundo do coração.
Musicalmente, "Mother" deixa o
ouvinte esperando muito tempo
por algum tipo de fim, e para Goldie isso acontece deliberadamente. "Eu estava sempre esperando",
diz ele. "Esperando para descobrir
onde estava minha mãe, esperando por sua volta, sentado num
dormitório olhando a maçaneta
da porta. A gente gasta um tempão
fazendo isso, a começar quando se
está no útero, pensando que preferiria não nascer."
"Mother' não trata só da presença física da mãe, mas também da
necessidade de ser cuidado, necessidade de ter algo que me cerque.
Tudo bem, posso ser melancólico,
mas você acha que eu tinha o Bing
Crosby cantando "White Christmas'? Eu nunca tive nada."
É difícil tentar comunicar a força
da personalidade de Goldie: quão
engraçado ele é, quão fácil de se
gostar, quão simpático, quão perto às vezes ele parece estar de perder o controle e o quanto você
gostaria de cuidar dele.
Quando entro em sua suíte no
hotel Landmark, em Londres,
Goldie está na cama brincando
com o novo jogo de 007. Está completamente absorvido, com aqueles cabelos curtíssimos, suéter largo e jeans. Parece ter 12 anos.
É uma cena comovente que pertence à infância idílica que ele
nunca teve. Depois de todas as degradações que sofreu, Goldie é
agora, de verdade, o garoto de ouro, e tudo que toca vira ouro. Na
garagem do hotel, está o seu mais
novo brinquedo: uma moto Ducati. Ao lado, seu Porsche.
Ganha cerca de 10 mil libras para
fazer um remix do disco de outra
pessoa qualquer e, na véspera de
Ano Novo, ganhou a mesma
quantia para fazer três apresentações como DJ. Em suma, está lidando muito bem com as pressões
da fama.
"Yeah!", diz ele. "Eles falam da
pressão, mas não tem pressão nenhuma quando a porta esteve fechada para você o tempo inteiro.
Você não consegue fazer nada certo, portanto não sabe o que é certo
ou o que é errado. Você sai da sua
porta todos os dias e de repente
ouve alguém dizendo pra você
voltar pro seu quarto. Daí um dia a
porta abre e você senta na sua cama e fica horas pensando no que
vai fazer. Você pode ir, mas foi
condicionado durante todos esses
anos a pensar que isso só pode ser
uma armadilha."
"Eu passei tantos anos tentando
sair da minha concha -você quer
sair, mas eles estão sempre te
prendendo. E quer saber? Eu os
perdôo, porque foi isso que me fez
ser o que sou hoje. Foi isso que me
fez uma pessoa melhor", define.
Acrescenta: "Fui criado colocando a mala no chão, fazendo novos
amigos, para logo depois ter de pegar a mala no chão de novo. Eu era
o único que tinha de usar uniforme na quinta série, quando só usava uniforme quem quisesse. Fui
forçado pelo instituto a vesti-lo,
para parecer um bom menino".
"Tinha um professor de matemática que me odiava por eu não
saber contar direito. Ele me odiava
porque eu era um palhaço, porque
eu vinha de um instituto, porque a
única coisa que eu poderia fazer
era isso, virar personagem."
O personagem que ele se tornou
foi o homem que ele é até hoje:
Goldie (ele nunca revela seu nome
verdadeiro), um dos primeiros artistas de grafite da Inglaterra, dançarino de break e um dos garotos
para quem a nova cultura hip hop
do início dos anos 80 era menos
uma moda do que um estilo de vida.
"Goldie tem estado por aí há
muito mais tempo que seus dentes
de ouro e seus cachos dourados",
diz ele. "Pouca gente me conhece.
Ninguém conhece realmente
aquele garoto de escola, sabe? Goldie protegeu aquele garoto, e eu
ainda sou essa criança, porque
não vou crescer nunca. É importante para mim mostrar que, como artista, estou no meio do caminho. Ainda não cheguei lá."
Como um artista de grafite, ele
foi um dos melhores de seu país,
tendo o melhor de sua obra imortalizado no filme "Bombing", um
documentário do Channel Four
feito na metade dos anos 80.
Viajou de Wolverhampton, sua
cidade natal, para Bristol, a fim de
sair com a galera do Wild Bunch,
que mais tarde se tornou o Massive Attack, o produtor Nelee Hooper e Tricky.
Depois foi para a Flórida encontrar o pai que nunca havia conhecido e lá fez mais grafite, esculpiu
jóias e fez o design de seus dentes
de ouro. Quando voltou, passou
do hip hop para rave e ajudou a
introduzir o som emergente do
jungle ou drum'n'bass.
Seu début, "Timeless", de 1995,
elevou-o à categoria de sucesso.
Por fim, depois de uma vida inteira construindo um personagem e
se preparando para a fama, Goldie
chegou lá. Foram dele os dentes
que inundaram milhares de capas
de revista pelo mundo todo.
Goldie é um fã incondicional do
jazz fusion e, segundo conta, as influências mais duráveis do seu novo álbum são do guitarrista Pat
Metheny e seu tecladista Lyle
Mays.
"Pat Metheny é meu herói, cara.
Ele vai mixar "Sea of Tears' (de "Timeless'), e eu vou mixar duas faixas do seu CD."
Tradução
Ana Carolina Mesquita
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