São Paulo, segunda, 23 de março de 1998

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MÚSICA ERUDITA
Concertos realizados no Brasil e no exterior prestam tributo ao maestro e compositor de Santa Catarina
Edino Krieger faz 70 anos e é homenageado

CARLOS BOZZO JUNIOR
especial para a Folha

Na última terça-feira, o maestro e compositor Edino Krieger completou 70 anos e foi homenageado em um concerto no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro.
Krieger nasceu em Brusque (SC) e, aos sete anos, já estudava violino com seu pai. Aos nove, era músico atuante e recebeu, aos 15 anos, uma bolsa de estudos oferecida pelo Estado de Santa Catarina para estudar no Conservatório do Distrito Federal, no Rio, onde passou a residir.
Foi quando Krieger conheceu o professor e maestro Hans Joachim Koellreutter, com quem teve aulas particulares de composição, harmonia e contraponto. Koellreutter foi o idealizador do grupo Música Viva, que teve como integrantes Cláudio Santoro, Eunice Catunda e Guerra Peixe, entre outros.
O grupo deu a Krieger seu primeiro prêmio como compositor, aos 17 anos.
Em 48, ganhou uma bolsa para estudar nos Estados Unidos, com Aaron Copland no Berkshire Music Center.
De volta ao Brasil, o compositor passou a dividir seu trabalho de criação com a luta para abrir espaços para a música de concerto, dando maior ênfase ao autor brasileiro. Entre as criações de Krieger, estão a Orquestra Sinfônica Nacional e a Bienal da Música.
Leia, a seguir, a entrevista que o maestro concedeu à Folha, por telefone, de sua casa, no Rio.

Folha - Como estão sendo comemorados seus 70 anos?
Edino Krieger -
No dia do meu aniversário, foi realizado um concerto em minha homenagem no Centro Cultural Banco do Brasil, aqui do Rio. Esse concerto foi o terceiro de uma série de cinco em meu tributo.
No exterior, temos prevista uma estréia européia, em Bruxelas, na Bélgica, de um concerto para dois violões e orquestra de cordas, que será executado pelos violonistas Sérigo e Odair Assad, o Duo Assad. Depois, eles seguem para Espanha e Alemanha, ocasião em que irão gravar e editar o concerto, que poderá ser transformado em CD.
Folha - O que o sr. pretende realizar como presidente da Academia Brasileira de Música?
Krieger -
A Academia Brasileira de Música é uma instituição de caráter evidentemente honorístico, mas no meu entendimento não deve ser somente isso. Ela deve ter uma atividade executiva, uma programação de divulgação, de documentação da música brasileira. A gestão anterior teve como meta normalizar a situação administrativa, legal e financeira. O que foi feito de forma brilhante, mas, agora, quero me concentrar mais na parte de atuação da academia, tornando-a uma instituição realmente útil à vida musical do país.
Entre as metas traçadas, está a aquisição de uma sede própria para a academia, pois ela está funcionando em um lugar provisório. Além disso, vamos criar uma atividade periódica de divulgação da música brasileira, convidando compositores para apresentarem suas obras e darem palestras. E daremos continuidade a alguns programas que estão sendo desenvolvidos, como a elaboração de uma bibliografia musical brasileira.
Folha - Qual o segredo para conciliar a carreira artística com a administrativa?
Krieger -
Não sei se consegui conciliar isso muito bem, porque, na verdade, minha carreira artística ficou um pouco prejudicada. Por outro lado, essas atividades administrativas são uma forma de sobrevivência dos compositores no Brasil, já que o país não dá ao compositor condições de sobreviver com seus próprios trabalhos. Eles têm de se dedicar a atividades didáticas, como professores, intérpretes, regentes, ou exercer cargos de administração da vida musical, como foi meu caso. Um dos últimos cargos de chefia que exerci foi o da Funarte. Isso foi feito com muita seriedade e tomou muito do meu tempo, o que, inevitavelmente, fez com que eu colocasse, mais uma vez, minha carreira criadora aos trancos e barrancos.
Folha - Paquito D'Rivera, músico clarinetista, há pouco tempo lançou um CD com músicas de câmara de compositores sul-americanos. E, em recente entrevista, disse que "a valiosa contribuição dos compositores do Novo Mundo para a música de concerto é tão extensa, fresca e variada como incompreendida e subutilizada por grande parte dos intérpretes do gênero clássico, culto ou erudito, que têm se dedicado exclusivamente à música européia dos séculos 18 e 19, ignorando a formidável produção dos compositores a oeste do Oceano Atlântico". O sr. compartilha da mesma idéia?
Krieger
- Sem dúvida alguma. O que acontece, principalmente, é a dificuldade de acesso a essa produção. Eu não culpo os intérpretes. Geralmente, diz-se que eles não têm interesse pela música brasileira. Não é verdade. Sou testemunha de que eles têm um grande interesse pela divulgação de nossa música.
Frequentemente, compositores são solicitados para escreverem peças a serem executadas. Ao menos comigo, isso ocorre quase todos os dias. Agora, as obras que já existem, como as do século passado, não são acessíveis aos intérpretes. Então, um regente que fizera um programa inteiro de música sinfônica brasileira fica perdido num labirinto de procuras e buscas. Não sabe onde buscar ou por onde começar. Não existe sequer um tema organizado de informação.
Essa era uma das propostas que levei para a Funarte, e, até hoje, não foi possível realizá-la. Falta no Brasil uma instituição que centralize essa responsabilidade de saber o que existe de criação musical no país, que pesquise, cadastre e informatize essa informação, colocando-a ao alcance fácil dos intérpretes e estudiosos. A Biblioteca Nacional realiza um trabalho de recuperação de partituras, para que possam ser colocadas à disposição de interessados, via Internet. Mas, é, ainda assim, um trabalho feito de maneira muito precária, muito modesto em relação ao acervo e à produção toda que existem no Brasil.
Folha - O que é música contemporânea?
Krieger -
Em 23 anos de Bienal da Música, chegamos a um consenso que música contemporânea é a música que se faz hoje. É um conceito meramente cronológico, e não de natureza estética, ou uma definição excludente. Portanto, a música tradicional é música contemporânea, se for feita hoje. Não é o caráter da obra que a define como contemporânea.
A característica principal da nossa cultura, inclusive na área da música, é exatamente a diversidade, a pluralidade. Esse pluralismo é que é conceitual. Se a música contemporânea soa como de vanguarda, nacionalista, tradicional ou de pesquisa, isso não importa. Cada compositor é que escolhe sua vertente.
Folha - Quem são considerados valores permanentes nesse tipo de música?
Krieger -
Os grandes compositores, que já são considerados os clássicos da música contemporânea brasileira, da outra fase são Camargo Guarnieri, Villa-Lobos, Francisco Mignone, Cláudio Santoro, Guerra Peixe, Radamés Gnatalli. E, da geração mais nova, temos alguns que se destacam como o Almeida Prado. Mas, o fio do tempo ainda nos trará, sem dúvida, novos valores.
Folha - Nesses 70 anos, o sr. deixou de fazer alguma coisa que gostaria de ter feito?
Krieger -
Eu acho o tempo um fator terrivelmente angustiante, porque ele passa depressa demais. Eu me vejo com 15 anos, chegando no Rio de Janeiro, e parece que foi ontem. E, de repente, tem todo um caminho já percorrido. E uma porção de coisas que eu gostaria de fazer e não fiz. Principalmente na área da criação, eu gostaria de ter uma produção mais significativa em termos numéricos.
Eu me acho um compositor que tem uma produção pequena, de catálogo reduzido, que pode ter até alguma significação, mas acho que o crivo do tempo é que vai determinar se minhas coisas têm valores e condições de permanência.



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