São Paulo, segunda, 23 de março de 1998

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Oasis oferece refrões brilhantes para a solidão


MARCELO REZENDE
especial para a Folha

Um astro da música parece um ser condenado à melancolia. Sua tarefa é tentar o inalcançável (os Beatles) ou se render às necessidades do mercado (Michael Jackson). Qual o lugar, nesse cenário, para a banda inglesa Oasis, que desafia a crítica mundial, como mostrou em sua apresentação de anteontem em São Paulo, a descobrir de que jeito sua história irá terminar?
A tensão da expectativa sai dos textos dos jornais e revistas especializadas, passa pelo público e chega até o palco.
O Oasis -à maneira de um talento precoce depois do primeiro sucesso- não sabe ao certo se está vivendo o primeiro dos seus anos de glória ou o final de um curto período de genialidade espantosa.
Liam Gallagher (o jovem, belo e perturbado vocalista) caminha sobre o palco montado no Sambódromo. Usa uma camisa da seleção brasileira de futebol e calças curtas, enfrentando assim o amor das fãs apaixonadamente histéricas e a inveja camuflada dos meninos. Sem efeitos, despojado.
A audiência recebe os hits das rádios -"Stand by Me", "Live Forever", "D'You Know What I Mean". Seu irmão, Noel, marca o andamento do show. É o maestro. O Oasis não é exatamente um grupo de rock, mas um duo com uma banda de apoio. Os Gallagher são o princípio de tudo.
Os laços de sangue que a natureza lhes forneceu faz parte não apenas de suas vidas, mas também de suas carreiras. Existe no disco, na turnê e nos números (mais de 25 milhões de CDs vendidos) o paradoxo da irmandade. Os dois tratam publicamente o particular.
Disputam o amor da própria mãe, competem para saber quem tem a namorada mais bonita, se defendem mutuamente dos ataques públicos. Se amam e discutem com ironia durante uma performance.
Liam inveja o talento de Noel, e este o carisma do primeiro.
Os Gallagher vivem no limiar de um estrondo, da separação. Os shows são a espera da tragédia. E o desejo de que ela nunca aconteça. A voz de um contém a guitarra do outro.
A atitude arrogante é equilibrada com a simpatia. O público é desorientado. Não sabe qual deve amar incondicionalmente ou odiar na mesma intensidade.
A crítica, também um pouco confusa, assiste com distância, se afogando em dogmas. Existe o desconforto de não saber se tudo aquilo é real ou uma estratégia das gravadoras. E como saber?
Do Oasis tudo já foi um pouco cobrado. Dizem que são apenas um decalque desfigurado da perfeição original. Não podem ser Lennon e McCartney. Simplesmente porque a história não se repete. Falam que suas atitudes rebeldes não são originais. Mick Jagger já fez antes. O Oasis não é o messias. São impuros. Não são ousados e inventivos, apenas o resultado da era dos grandes conglomerados econômicos.

Futuro?
Toda a análise da música pop parece ser orientada por princípios do século 19. A tarefa é descobrir a cópia e seu original. Acredita-se em uma era dourada, em que havia legitimidade e não marketing. Artesanato, e não indústria.
Assim, Lou Reed, Velvet Underground, Beck, Goldie e Mutantes estariam no lado oposto ao Oasis, Verve ou Roberto Carlos. Os primeiros, ousados. Os outros, conservadores.
Mas Noel Gallagher consegue se desviar, ao menos por enquanto, da pressão. E concede aos seus ouvintes, pela voz de Liam, "Wonderwall" e "Roll with It" (com a base emprestada das antigas cancões de Marc Bolan, dos anos 70).
Todos aceitam com felicidade. Os fãs vibram. Tudo funciona. Noel relembra uma lição aprendida com sofrimento, mas que parte de seus críticos parece ter esquecido. A de que tudo posto à venda é naturalmente um negócio. Até mesmo arte. Não se trata então de ser honesto e ousado. Mas de fazer com honestidade e ousadia até mesmo um ato conservador.
O Oasis, no palco, é o sonho realizado de pelo menos metade dos beatlemaníacos do mundo. A vontade secreta, muitas vezes inconfessável, de que John Lennon tivesse dominado os Beatles entre 1967 e 1970.
Existe um descaso inconsequente, a necessidade de agredir, provocar em nome da adolescência perdida e da juventude que se esvai. Mas no Oasis não há só passado. Conta-se ainda com o presente, pois, apesar de todas as novidades tecnológicas que a música apresenta hoje, eles conseguem dar algo vital, que a música eletrônica ainda não pode: refrões para serem cantados na hora da solidão. E nisso eles são brilhantes.
O Oasis talvez tenha surgido em um momento conturbado demais para sua própria permanência. São o resultado de anos de um governo conservador em seu país e vistos agora como a melhor imagem para a nova Inglaterra do governo trabalhista de Tony Blair.
E da mesma maneira que o novo primeiro-ministro, são elogiados por serem o retrato de um novo tempo, ao mesmo tempo que sofrem a torcida para que fracassem.
Mas eles continuam. São rápidos e jovens. Talvez no futuro passem pelo ridículo de subir em um palco com as mesmas velhas canções, com suas barrigas flácidas e um tédio incontornável, aplaudidos por uma platéia velha e saudosista. exatamente como Paul McCartney hoje. Mas não nesse momento. Ao menos não agora.



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