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Oasis oferece refrões brilhantes para a solidão
MARCELO REZENDE
especial para a Folha
Um astro da música parece um
ser condenado à melancolia. Sua
tarefa é tentar o inalcançável (os
Beatles) ou se render às necessidades do mercado (Michael Jackson). Qual o lugar, nesse cenário,
para a banda inglesa Oasis, que
desafia a crítica mundial, como
mostrou em sua apresentação de
anteontem em São Paulo, a descobrir de que jeito sua história irá
terminar?
A tensão da expectativa sai dos
textos dos jornais e revistas especializadas, passa pelo público e
chega até o palco.
O Oasis -à maneira de um talento precoce depois do primeiro
sucesso- não sabe ao certo se está
vivendo o primeiro dos seus anos
de glória ou o final de um curto
período de genialidade espantosa.
Liam Gallagher (o jovem, belo e
perturbado vocalista) caminha sobre o palco montado no Sambódromo. Usa uma camisa da seleção brasileira de futebol e calças
curtas, enfrentando assim o amor
das fãs apaixonadamente histéricas e a inveja camuflada dos meninos. Sem efeitos, despojado.
A audiência recebe os hits das rádios -"Stand by Me", "Live Forever", "D'You Know What I
Mean". Seu irmão, Noel, marca o
andamento do show. É o maestro.
O Oasis não é exatamente um grupo de rock, mas um duo com uma
banda de apoio. Os Gallagher são
o princípio de tudo.
Os laços de sangue que a natureza lhes forneceu faz parte não apenas de suas vidas, mas também de
suas carreiras. Existe no disco, na
turnê e nos números (mais de 25
milhões de CDs vendidos) o paradoxo da irmandade. Os dois tratam publicamente o particular.
Disputam o amor da própria
mãe, competem para saber quem
tem a namorada mais bonita, se
defendem mutuamente dos ataques públicos. Se amam e discutem com ironia durante uma performance.
Liam inveja o talento de Noel, e
este o carisma do primeiro.
Os Gallagher vivem no limiar de
um estrondo, da separação. Os
shows são a espera da tragédia. E o
desejo de que ela nunca aconteça.
A voz de um contém a guitarra do
outro.
A atitude arrogante é equilibrada
com a simpatia. O público é desorientado. Não sabe qual deve amar
incondicionalmente ou odiar na
mesma intensidade.
A crítica, também um pouco
confusa, assiste com distância, se
afogando em dogmas. Existe o
desconforto de não saber se tudo
aquilo é real ou uma estratégia das
gravadoras. E como saber?
Do Oasis tudo já foi um pouco
cobrado. Dizem que são apenas
um decalque desfigurado da perfeição original. Não podem ser
Lennon e McCartney. Simplesmente porque a história não se repete. Falam que suas atitudes rebeldes não são originais. Mick Jagger já fez antes. O Oasis não é o
messias. São impuros. Não são ousados e inventivos, apenas o resultado da era dos grandes conglomerados econômicos.
Futuro?
Toda a análise da música pop parece ser orientada por princípios
do século 19. A tarefa é descobrir a
cópia e seu original. Acredita-se
em uma era dourada, em que havia legitimidade e não marketing.
Artesanato, e não indústria.
Assim, Lou Reed, Velvet Underground, Beck, Goldie e Mutantes
estariam no lado oposto ao Oasis,
Verve ou Roberto Carlos. Os primeiros, ousados. Os outros, conservadores.
Mas Noel Gallagher consegue se
desviar, ao menos por enquanto,
da pressão. E concede aos seus ouvintes, pela voz de Liam, "Wonderwall" e "Roll with It" (com a
base emprestada das antigas cancões de Marc Bolan, dos anos 70).
Todos aceitam com felicidade.
Os fãs vibram. Tudo funciona.
Noel relembra uma lição aprendida com sofrimento, mas que parte
de seus críticos parece ter esquecido. A de que tudo posto à venda é
naturalmente um negócio. Até
mesmo arte. Não se trata então de
ser honesto e ousado. Mas de fazer
com honestidade e ousadia até
mesmo um ato conservador.
O Oasis, no palco, é o sonho realizado de pelo menos metade dos
beatlemaníacos do mundo. A vontade secreta, muitas vezes inconfessável, de que John Lennon tivesse dominado os Beatles entre
1967 e 1970.
Existe um descaso inconsequente, a necessidade de agredir, provocar em nome da adolescência
perdida e da juventude que se esvai. Mas no Oasis não há só passado. Conta-se ainda com o presente, pois, apesar de todas as novidades tecnológicas que a música
apresenta hoje, eles conseguem
dar algo vital, que a música eletrônica ainda não pode: refrões para
serem cantados na hora da solidão. E nisso eles são brilhantes.
O Oasis talvez tenha surgido em
um momento conturbado demais
para sua própria permanência.
São o resultado de anos de um governo conservador em seu país e
vistos agora como a melhor imagem para a nova Inglaterra do governo trabalhista de Tony Blair.
E da mesma maneira que o novo
primeiro-ministro, são elogiados
por serem o retrato de um novo
tempo, ao mesmo tempo que sofrem a torcida para que fracassem.
Mas eles continuam. São rápidos
e jovens. Talvez no futuro passem
pelo ridículo de subir em um palco
com as mesmas velhas canções,
com suas barrigas flácidas e um tédio incontornável, aplaudidos por
uma platéia velha e saudosista.
exatamente como Paul McCartney
hoje. Mas não nesse momento. Ao
menos não agora.
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