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CRÍTICA
Fringe revela o "inesperado"
NELSON DE SÁ
enviado especial a Curitiba
Diante de uma mostra oficial
ainda disforme, buscando um
novo perfil em meio a velhas
vanguardas visuais e outros gêneros de arte cênica, da dança
ao circo ao teatro infantil, o
"inesperado" do teatro no festival deve ser buscado na mostra paralela, chamada Fringe.
O inusitado tão prometido na
publicidade do festival (no slogan "o inesperado acontece
aqui") foi encontrado pela primeira vez na peça "Eu Sou Mais
Nelson", colagem da diretora
Ana Kfouri para diálogos de
Nelson Rodrigues.
A colagem é uma especialidade da diretora, que vem desenvolvendo no Rio como que um
experimento dramatúrgico e
cênico a partir de trechos de
peças e outros textos. Neste caso, são as peças "Beijo no Asfalto", "Álbum de Família", "Toda Nudez Será Castigada", "Os
Sete Gatinhos", entre outras.
O que se vê em cena é um Nelson Rodrigues bem diferente,
não tão carregado de significados míticos, da linhagem inaugurada duas décadas atrás pelo
encenador Antunes Filho, nem
tão cômico, como visto em espetáculos de Marco Antônio
Braz, Gabriel Villela e outros.
É uma dramaturgia de grande velocidade, ação frenética,
desconhecida antes. Não há
muito tempo para ecoar uma
piada ou uma das frases feitas
tão famosas do autor: a "urgência", na expressão da diretora,
no programa da peça, é a marca
dos textos selecionados. Salta-se sem respirar do marido desconfiado e patético de "A Mulher sem Pecado" para as tias
feias, orgulhosamente avessas
ao sexo, de "Dorotéia".
Em ritmo descontrolado, desaparece de vez a carga de culpa
usualmente jogada sobre os
personagens rodriguianos, que
mais parecem estar brincando.
É certo que a moralidade já é
outra, a reação social é outra,
hoje em dia, mas os personagens de "Eu Sou Mais Nelson"
vão além e criam um cenário
quase amoral.
Nelson Rodrigues nunca foi
tão inocente, tão distante de tabus. É evidente que muito se
deve à própria inocência e juventude do elenco, uma companhia criada no ano passado,
de nome Alice 118. De tão jovens, devem ter mesmo dificuldade em compreender a maioria dos constrangimentos sexuais vividos 50 anos antes.
Por outro lado, daí resulta
também uma certa sensação de
superficialidade, em algumas
passagens que chegam a ganhar ares de videoclipe. Mas é o
preço a pagar, por arriscar um
caminho "inesperado". É uma
sensação que é compensada
pela felicidade em torno da
apresentação toda, nos rostos
dos atores, fato raro no festival.
E são bons atores apesar da
inexperiência, guiados com
precisão por Ana Kfouri, que
concentra muito de sua direção
de interpretação nas ações físicas. Cenas inteiras lembram
coreografias frenéticas, algumas vezes em aparente contraposição aos diálogos rodriguianos, mas sempre compondo
um quadro de forte expressão.
Destaca-se, entre os atores,
Bruno Ferreira como Noronha
e como Tuninho, dois dos
maiores personagens masculinos de Nelson Rodrigues. Com
exposição menor, também impressiona Fabiano Fernandes,
que interpreta d. Flávia. Entre
as atrizes, Ana Abbott tem a figura mais marcante, como Silene e como Dália, mas também
Luciana Ferreira deixa a sua
marca, como Geni.
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