São Paulo, sexta-feira, 23 de abril de 2004

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CINEMA/ESTRÉIAS

"ANTI-HERÓI AMERICANO"

Premiado em Cannes e em Sundance, longa examina as manias de quadrinista underground

Pacto com cinema traz sucesso a escritor

DIEGO ASSIS
DA REPORTAGEM LOCAL

Harvey Pekar é um cara de sorte: foi a sorte que levou Robert Crumb a mudar-se para a esquina de sua casa em Cleveland, ilustrar algumas de suas histórias autobiográficas e fazer dele uma celebridade do underground americano do dia para a noite na década de 60. E foi a também a sorte que trouxe, em 2001, o casal de diretores Shari Springer Berman e Robert Pulcini à porta de sua mesma casa em Cleveland com a proposta de rodar um filme sobre a sua vida, vencedor de 18 prêmios mundo afora, entre eles Cannes e Sundance, além de uma indicação ao Oscar de roteiro adaptado.
"Eu teria trabalhado com qualquer um àquela altura. Tinha acabado de me aposentar e precisava do dinheiro de algum lugar. Eu teria feito um pacto com o diabo por esse dinheiro", conta Pekar, 64, ex-arquivista de um hospital de idosos em Cleveland, escritor da série de HQs "American Splendor" e personagem principal do filme de mesmo nome, que estréia hoje no país sob o sugestivo título "Anti-Herói Americano".
"A maioria dos americanos gosta dessa cultura do macho, do cara que briga, que possa falar sobre como é ter estado numa guerra. Eles querem um soldado sobre um cavalo", critica o nosso anti-herói. "Eu fui expulso do Exército quando era jovem. Era atrapalhado e mal conseguia passar nas inspeções ou arrumar minhas roupas. Não podiam manter alguém como eu." Saiu em 1957 e, por um novo "golpe de sorte", ficou de fora da Guerra do Vietnã, que estouraria oito anos depois.
Desde sua casa em... Cleveland -"Hollywood não me oferece nada que eu já não tenha aqui"-, Pekar falou à Folha sobre o filme.
 

Folha - Você diz que fez "Anti-Herói Americano" para garantir o futuro de sua família. Ajudou?
Harvey Pekar -
Sim, ajudou. Separei uma boa parte para a faculdade da minha filha. Fui chamado para uns trabalhos para a revista "Entertainment Weekly", escrevi artigos para jornais, consegui um contrato para lançar quatro novos álbuns e também estou sendo chamado para palestras em diferentes faculdades. Isso é muito dinheiro para os meus padrões. Falo por uma hora e volto para casa com alguns mil dólares a mais.

Folha - Quão diferente é o sucesso agora em comparação com o que teve no auge do underground?
Pekar -
É uma escala muito maior agora. Mesmo na minha própria cidade, as pessoas passavam por mim e não diziam nada. Agora elas me vêem e dizem "oi", que viram o filme e gostaram. Essa é a última prova do sucesso para a maioria dos americanos: estar num filme. Pelo menos você tem a sua foto impressa nos jornais.

Folha - Seus quadrinhos são essencialmente autobiográficos. Como se sentiu sendo dissecado por um terceiro em um filme?
Pekar -
Tive sorte de ter encontrado pessoas criativas. Acabou se tornando um filme inovador, com uma qualidade pós-moderna de misturar gêneros e personagens. Essas coisas são importantes, e as pessoas não escreveram muito sobre isso ainda. É que a maioria dos críticos é realmente estúpida. Não me refiro a você (risos), mas eles não são muito brilhantes aqui nos Estados Unidos.


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