São Paulo, sábado, 23 de junho de 2001

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LIVROS/LANÇAMENTOS

"GENOMA"

Complexidade vai além da genética

ISABEL GERHARDT
DA REPORTAGEM LOCAL

Que ninguém espere que o livro "Genoma - A Autobiografia de uma Espécie em 23 Capítulos", de Matt Ridley, apresente histórias dos bastidores da corrida da conclusão do genoma humano. Não há nem sequer uma análise sobre os resultados divulgados este ano, como o número surpreendentemente baixo de genes encontrados ou a presença de genes de origem bacteriana.
Até porque o livro foi lançado ano passado nos EUA, antes mesmo do anúncio de obtenção do rascunho do genoma, feito em junho, na Casa Branca, por Francis Collins e Craig Venter.
Quando, em fevereiro deste ano, o consórcio de instituições públicas e a empresa Celera anunciaram a "conclusão" do sequenciamento do genoma humano, foram categóricos dizendo que o trabalho está apenas começando.
Isso significa, na prática, que existem "buracos" a serem preenchidos na sequência, genes a serem identificados e mais importante: é preciso descobrir o que fazem todas essas letras A, C, G e T, que juntas carregam a informação de como o homem é feito.
Ou seja, qualquer afirmação feita com base no genoma hoje ainda poderá ser objeto de revisão.
O que Ridley se preocupa em mostrar é que não só o homem, mas qualquer forma de vida é muito mais complexa do que um mapa de 3 bilhões de letras (o tamanho do genoma humano) é capaz de registrar ou sugerir.
Para isso, ele usa uma estratégia interessante. Ao descrever um gene característico de cada um dos 23 cromossomos que compõem o material genético humano, o autor aproveita para relacioná-lo a questões não só ainda em aberto na biologia, mas que despertam o interesse do público leigo.
Até que ponto inteligência é hereditária? Existe algum gene relacionado à opção sexual? O que é envelhecer? Esses são exemplos de temas que foram e são objetos de discussão científica.
Nos últimos anos, o número de organismos que tiveram o genoma decifrado cresceu vertiginosamente. Já são mais de 50 micróbios completos, pelo menos uma planta, um verme, um inseto, um roedor e, culminando essa "cadeia evolutiva", o homem.
De forma cada vez mais frequente, genes são apresentados como responsáveis pelo colesterol alto, pelo diabetes ou pela vontade de comer chocolate.
Esse tipo de atitude, além de criar a falsa idéia de que somos apenas o que está escrito em nossos genes, acaba provocando uma reação oposta, igualmente exagerada: o determinismo ambiental, em que alguns afirmam que o homem é o que o meio social e cultural estabelecem.
Esse talvez seja o maior mérito da obra de Ridley, jornalista com doutorado em zoologia pela Universidade de Oxford. Evitar tanto o determinismo genético como o ambiental para tentar entender o que nos faz humanos.
Afinal, diz Ridley, "somos cerca de 98% chimpanzés". Descobrir o que faz a diferença é trabalho para décadas e muita gente, das mais diversas áreas do conhecimento humano. Essa a mensagem que Ridley procura transmitir.


Genoma - A Autobiografia de uma Espécie em 23 Capítulos
Genome - The Autobiography of a Species in 23 Chapters
   
Autor: Matt Ridley
Tradução: Ryta Vinagre
Editora: Record
Quanto: R$ 40 (400 págs.)




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