São Paulo, sábado, 23 de junho de 2007

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Crítica/ensaios

Naves alcança "espessura delicada"

Com encanto e método, o crítico Rodrigo Naves analisa a arte contemporânea na coletânea de ensaios "O Vento e o Moinho'

PAULO SERGIO DUARTE
ESPECIAL PARA A FOLHA

Rodrigo Naves não é apenas um dos nossos mais agudos teóricos e críticos de arte mas o autor de textos claros e elegantes que se dedica sobretudo àquilo que Clement Greenberg definiu como "a mais ingrata forma de escrita "elevada'". Quem ganha com isso é o leitor que tem em "O Vento e o Moinho - Ensaios sobre Arte Moderna e Contemporânea" um conjunto raro de estudos, difícil de ser encontrado com a mesma qualidade de forma e conteúdo dentro ou fora do Brasil.
Sua coletânea anterior -"A Forma Difícil - Ensaios sobre Arte Brasileira" (Ática, 1996)- já nos havia apresentado a perspicácia de suas análises e o arco extenso de interesses que recobria de um incontornável estudo sobre a sociedade escravocrata brasileira observada pelo olhar neoclássico e republicano de Debret até o exame das obras de artistas modernos e contemporâneos como Volpi, Amilcar de Castro e Eduardo Sued. O livro é um inteligente curso sobre arte brasileira.
Quem dera que nossos professores de história da arte o adotassem como leitura obrigatória, talvez muita bobagem presunçosa pudesse ser evitada. No novo conjunto de estudos, o arco se enverga para cobrir assuntos mais variados do ponto de vista teórico e sobre artistas, cuidando de tempos e formas diferentes. O arqueiro teve de se valer de várias setas nesses 30 anos de escrita cobertos pelo livro.
Em "A Forma Difícil", a flecha estava apontada numa direção: atingir o que seria o calcanhar-de-aquiles da arte no Brasil. Com o aviltamento do trabalho manual pela longa e extensa exploração de escravos, o fazer artístico associado ao trabalho rebaixado não podia atrair as camadas médias; com essa rarefação da oferta de "mão-de-obra", as contribuições, durante a colônia, ficam restritas aos negros e mulatos como Aleijadinho, Athayde e Mestre Valentim, artistas maiores, de um inegável esforço, dessa triste história.
Essa é uma das origens relevantes para explicar a dificuldade da emancipação da forma moderna nessa nação ao sul do Equador. É importante lembrar que a crítica não apagava a baixa contribuição do colonizador português à história da arte no Ocidente e tampouco fazia concessões aos conhecidos arranjos e negociações que marcam a trajetória de nossas classes dominantes em cinco séculos. Agora, em "O Vento e o Moinho", apesar da variedade de tópicos abordados, não deixa de existir um alvo que chama a atenção: a indigência artística contemporânea acompanhada pela ascensão da figura do curador e seus temas esdrúxulos.
É sintomático que essas questões apresentem maior fôlego em três pontos: na introdução, no capítulo "O Novo Livro do Mundo" e na curta conclusão. Seus picos encontram-se na abertura, no centro do conjunto e em seu fechamento.
Muitos calhamaços publicados sobre a arte pós-moderna não possuem a densidade desses estudos na abordagem das questões mais prementes no momento em que se desmancha o campo simbólico da grande arte do século 20 -aquele que se constituiu de Cézanne até o expressionismo abstrato norte-americano.
Não pense o leitor que encontrará mais um daqueles muros das lamentações contra a arte contemporânea. Naves constata um declínio na qualidade da arte do presente, o que não o impede de identificar as articulações e procedimentos de artistas que vão contra a corrente predominante e são capazes da realização de poéticas originais.

Plano histórico
Reverbera ao fundo as conclusões do teórico situacionista Guy Debord em "A Sociedade do Espetáculo"; entretanto, o achatamento da arte à superfície da mercadoria, sua transformação na commodity por excelência, como sublinha Otília Arantes, é apenas um ponto de referência e não fator determinante de uma situação complexa. O que prevalece em cada um dos estudos é a capacidade de, explorando o particular na procura da materialidade específica de cada trabalho, articular o momento analítico com um plano histórico de conflitos mais amplos que nunca se encontra no exterior da obra, mas a explica e lhe dá corpo significante de dentro para fora.
E isso tanto faz, trate-se de Almeida Júnior, Willys de Castro, Nelson Felix, Iole de Freitas, Nuno Ramos, José Resende, Richard Serra, Mira Schendel, Tunga ou Laura Vinci, para citar apenas alguns dos cerca de 40 artistas abordados.
Muito mais do que um ajuste com Debord, três teóricos estão confessadamente presentes nesse método: Adorno, José Arthur Giannotti e Roberto Schwarz. Encontramos um materialismo adulto e emancipado que não precisa reiterar confissões de fé ideológica.
Em face da diversidade de assuntos, "O Vento..." foi ordenado em quatro blocos temáticos: 1. Ainda o Brasil e a dificuldade da forma; 2. Métodos, teorias, camisas-de-força; 3. Arte contemporânea e experiência; 4. Arte e instituições; 5. Aproximações. É inevitável que os estudos tenham potência variável na medida em que mudam seus veículos e destinos bem como seus objetos. Em todos há algo com o que dialogar e aprender além do encanto que nos é oferecido por aqueles momentos em que o texto alcança, para usar um termo caro ao autor, uma espessura delicada.


PAULO SERGIO DUARTE é crítico de arte e professor da Universidade Candido Mendes, no Rio

O VENTO E O MOINHO - ENSAIOS SOBRE ARTE MODERNA E CONTEMPORÂNEA
Autor:
Rodrigo Naves
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 59,50 (552 págs.)
Avaliação: ótimo


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