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Crítica/ensaios
Naves alcança "espessura delicada"
Com encanto e método, o crítico Rodrigo Naves analisa a arte contemporânea na coletânea de ensaios "O Vento e o Moinho'
PAULO SERGIO DUARTE
ESPECIAL PARA A FOLHA
Rodrigo Naves não é apenas um dos nossos mais
agudos teóricos e críticos de arte mas o autor de textos claros e elegantes que se dedica sobretudo àquilo que Clement Greenberg definiu como
"a mais ingrata forma de escrita
"elevada'". Quem ganha com isso é o leitor que tem em "O
Vento e o Moinho - Ensaios sobre Arte Moderna e Contemporânea" um conjunto raro de estudos, difícil de ser encontrado com a mesma qualidade de forma e conteúdo dentro ou fora
do Brasil.
Sua coletânea anterior -"A
Forma Difícil - Ensaios sobre
Arte Brasileira" (Ática, 1996)-
já nos havia apresentado a
perspicácia de suas análises e o
arco extenso de interesses que
recobria de um incontornável
estudo sobre a sociedade escravocrata brasileira observada
pelo olhar neoclássico e republicano de Debret até o exame
das obras de artistas modernos
e contemporâneos como Volpi,
Amilcar de Castro e Eduardo
Sued. O livro é um inteligente
curso sobre arte brasileira.
Quem dera que nossos professores de história da arte o adotassem como leitura obrigatória, talvez muita bobagem presunçosa pudesse ser evitada.
No novo conjunto de estudos, o arco se enverga para cobrir assuntos mais variados do
ponto de vista teórico e sobre
artistas, cuidando de tempos e
formas diferentes. O arqueiro
teve de se valer de várias setas
nesses 30 anos de escrita cobertos pelo livro.
Em "A Forma Difícil", a flecha estava apontada numa direção: atingir o que seria o calcanhar-de-aquiles da arte no Brasil. Com o aviltamento do
trabalho manual pela longa e
extensa exploração de escravos, o fazer artístico associado
ao trabalho rebaixado não podia atrair as camadas médias;
com essa rarefação da oferta de
"mão-de-obra", as contribuições, durante a colônia, ficam
restritas aos negros e mulatos
como Aleijadinho, Athayde e
Mestre Valentim, artistas
maiores, de um inegável esforço, dessa triste história.
Essa é uma das origens relevantes para explicar a dificuldade da emancipação da forma
moderna nessa nação ao sul do
Equador. É importante lembrar que a crítica não apagava a
baixa contribuição do colonizador português à história da arte
no Ocidente e tampouco fazia
concessões aos conhecidos arranjos e negociações que marcam a trajetória de nossas classes dominantes em cinco séculos. Agora, em "O Vento e o
Moinho", apesar da variedade
de tópicos abordados, não deixa de existir um alvo que chama
a atenção: a indigência artística
contemporânea acompanhada
pela ascensão da figura do curador e seus temas esdrúxulos.
É sintomático que essas
questões apresentem maior fôlego em três pontos: na introdução, no capítulo "O Novo Livro do Mundo" e na curta conclusão. Seus picos encontram-se na abertura, no centro do
conjunto e em seu fechamento.
Muitos calhamaços publicados sobre a arte pós-moderna
não possuem a densidade desses estudos na abordagem das
questões mais prementes no
momento em que se desmancha o campo simbólico da grande arte do século 20 -aquele
que se constituiu de Cézanne
até o expressionismo abstrato
norte-americano.
Não pense o leitor que encontrará mais um daqueles
muros das lamentações contra
a arte contemporânea. Naves
constata um declínio na qualidade da arte do presente, o que
não o impede de identificar as
articulações e procedimentos
de artistas que vão contra a corrente predominante e são capazes da realização de poéticas
originais.
Plano histórico
Reverbera ao fundo as conclusões do teórico situacionista
Guy Debord em "A Sociedade
do Espetáculo"; entretanto, o
achatamento da arte à superfície da mercadoria, sua transformação na commodity por
excelência, como sublinha Otília Arantes, é apenas um ponto
de referência e não fator determinante de uma situação complexa. O que prevalece em cada
um dos estudos é a capacidade
de, explorando o particular na
procura da materialidade específica de cada trabalho, articular o momento analítico com
um plano histórico de conflitos
mais amplos que nunca se encontra no exterior da obra, mas
a explica e lhe dá corpo significante de dentro para fora.
E isso tanto faz, trate-se de
Almeida Júnior, Willys de Castro, Nelson Felix, Iole de Freitas, Nuno Ramos, José Resende, Richard Serra, Mira Schendel, Tunga ou Laura Vinci, para
citar apenas alguns dos cerca
de 40 artistas abordados.
Muito mais do que um ajuste
com Debord, três teóricos estão
confessadamente presentes
nesse método: Adorno, José
Arthur Giannotti e Roberto
Schwarz. Encontramos um
materialismo adulto e emancipado que não precisa reiterar
confissões de fé ideológica.
Em face da diversidade de assuntos, "O Vento..." foi ordenado em quatro blocos temáticos:
1. Ainda o Brasil e a dificuldade
da forma; 2. Métodos, teorias,
camisas-de-força; 3. Arte contemporânea e experiência; 4.
Arte e instituições; 5. Aproximações. É inevitável que os estudos tenham potência variável
na medida em que mudam seus
veículos e destinos bem como
seus objetos. Em todos há algo
com o que dialogar e aprender
além do encanto que nos é oferecido por aqueles momentos
em que o texto alcança, para
usar um termo caro ao autor,
uma espessura delicada.
PAULO SERGIO DUARTE é crítico de arte e professor da Universidade Candido Mendes, no Rio
O VENTO E O MOINHO -
ENSAIOS SOBRE ARTE
MODERNA E CONTEMPORÂNEA
Autor: Rodrigo Naves
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 59,50 (552 págs.)
Avaliação: ótimo
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