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Teses para o PT ler depois do Brasil x Noruega
ARNALDO JABOR
da Equipe de Articulistas
No ano passado, vários partidos de esquerda se reuniram
em Vitória para formular uma
frente ideológica sobre a crise
brasileira.
Escrevi na época um texto
com "17 teses" que, eu achava,
podiam ser úteis para o debate. Meu amigo, o governador
Cristovam Buarque, publicou
um artigo em que respondia às
minhas pobres teses, como se
eu estivesse em busca de soluções, eu em crise ideológica,
quando minha intenção era
provocar dúvidas, até porque
considero a "certeza" uma das
doenças infantis da esquerda
tradicional.
Agora, o PT está reunido para fazer um programa de governo. Volto com algumas perguntas. Sem auto-análise, o
programa do PT pode ser apenas uma série de desejos irrealizáveis, uma profissão ingênua de fé, oração mística, um
"pensamento desejante"
("wishful thinking") e, até, se
bobear, oportunismo. Vamos
lá, sem ironias.
Como governar sem maioria
no Parlamento? Os partidos
brasileiros são atrasados, movidos por interesses fisiológicos. Pergunto: como se aliar
com eles em busca de votos no
Congresso sem se poluir? FHC
está "quebrando a cara" há
três anos... (O PFL é pior que o
PDT?) Como conciliar esse
pragmatismo inevitável com a
tradicional ânsia de pureza do
PT, o que transformou o governo de Buaiz e Buarque num
inferno de críticas e autocríticas?
Como seria a política econômica? Como reduzir o déficit
público sem fazer as reformas
no Estado? Como evitar a fuga
de capitais? Respeitando as
"regras" do jogo internacional
ou as contrariando? Pagando
compromissos ao capital ou
decretando moratória? Como
formular uma política industrial para nos proteger dos perigos do liberalismo selvagem,
mas sem cair em enleios cartorais e protecionismos getulistas
tardios?
Como reformular o sistema
de saúde, a educação, o "custo
Brasil" sem reforma fiscal?
Sem dinheiro, como estimular
exportações sem trazer inflação de volta? Como conviver
com as estatais e suas castas?
Como distinguir entre solidariedade e corporativismo reacionário? Como fazer a reforma agrária dentro do sistema
jurídico e burocrático atual?
Pela força? Pela revolução, como quer o maoísta Stedile?
Como dosar o gradualismo
de um partido no poder com o
radicalismo dos militantes? A
eleição de Lula seria vista como uma irrupção revolucionária na democracia "burguesa"
ou uma entrada no mundo político brasileiro real? Como dosar a complexidade do mundo
com a eficácia das medidas
sem cair nem no elogio excessivo da complexidade (como faz
FHC) nem na sedução do simplismo para fugir das dificuldades?
Como lutar contra o neoliberalismo sem subestimá-lo,
pois, como dizia Marx, é impossível ignorar a marcha material do mundo sem cair num
idealismo babaca ou num voluntarismo ingênuo? Como
criticar a infernal hegemonia
dos interesses americanos sem
usar pensamentos mágicos,
sem delírios utópicos ou medidas paranóicas, sem lançar
mão da "teoria conspiratória"
da história, sem dar pretextos
para novos fascismos caboclos
como foi em 64?
Aí, sim, a conspiração real da
reação política se faria de novo, pelo lobby dos interesses do
"mercado" contrariado, pelo
conluio entre gringos, milicos e
picaretas. Ou seja, como lidar
com o monstro, dentro dele?
Como lutar contra ele sem irritá-lo a ponto de nos devorar,
pois ele é, hoje, invencível e
inevitável, sim, não adianta
chorar.
E mais ainda: como ter a coragem de ver "coisas boas" no
mundo do mercado global? Ou
seja, como admitir que, talvez,
uma injeção de um pouco de
"anglo-saxonismo" poderia ser
útil para combater alguns vícios seculares, tais como o patrimonialismo e seus derivados, clientelismo, dependência
do Estado etc.?
Como aceitar que esses vícios
são tão maléficos como a desigualdade de classes, o imperialismo e outros? Não esquecer
no programa que o atraso brasileiro tem também raízes quase "antropológicas", vícios que
atacam o próprio pensamento
dito "progressista". Como entender que a culpa não é só dos
outros, mas da gente também?
Como ter a coragem de até
admirar a democracia americana e seu processo interno,
pois os USA foram um dos países que mais mudaram "endogenamente": "civil rights", luta
contra a guerra (o ataque ao
Iraque acabou de ser evitado
por universitários de Ohio, esculhambando ao vivo Madeleine Albright e William Cohen)?
Será que o capitalismo global
é apenas peste negra ou pode
trazer possíveis avanços, como,
digamos, os antibióticos? Como entender que pode haver
inesperados progressos na história torta, mas concreta, por
exemplo: o "milagre" escroto
brasileiro criou o ABC, que
criou o PT?
Como mudar palavras? Esquecer velhos clichês, como o
"Homem", a "Totalidade", o
"Povo", a "Realidade Brasileira" (qual delas?), o "Futuro" e
incluir novos termos, como
"sobredeterminação" (no sentido de Freud retomado por
Althusser), "coextensividade",
"contingência", "ambivalência", "parcialidades"?
Como entender que o Sim pode ser, às vezes, mais progressista que o Não? Como entender que o negativismo pode
ser, às vezes, conformista? Difícil, não é? Dá medo... Como assumir dúvidas sem medo de
parecer "vacilante" ou "cooptado"? Como aceitar que o fracasso do socialismo não foi devido só a um "complô da CIA",
mas também por erros terríveis
e crimes inconfessáveis?
Como entender melhor o
pensamento de Marx, que dizia que se chegava ao "simples
pela aceitação do complexo e
não por sua pura negação"? Ou
seja, como formular uma política popular de esquerda sem a
idéia morta, do século 19, de
"revolução"? (Eu tremo ao dizê-lo, como se cometesse um
sacrilégio...)
Como evitar que a idéia de
"bem do povo" nos iluda, nos
faça esquecer a pobreza de
meios para atingi-lo? Como
evitar as "utopias regressivas",
com sonhos zapatistas ou
trotskistas? Não esquecer que o
mundo nos ensinou que a idéia
de "totalidade", de tudo controlar, de tudo organizar, é um
fio de navalha, pertinho do totalitarismo.
E mais: como levar em conta
o incessante desejo humano
-o inconsciente, o sadismo, a
repressão sexual-, que criou a
fome de poder, a "nova classe",
os crimes em nome do "bem",
que destroçou a ilusão da fácil
solidariedade e da fraternidade, os mais ralos sentimentos
humanos? Tema para auto-análise: "Estou lutando pelo
bem do povo, com minhas juras de amor, ou vivendo às custas dele?".
Como evitar que o charme
santo do "finalismo" e da "boa
consciência", que a beleza dos
objetivos (justiça, progresso,
etc...) nos faça descuidar dos
meios práticos e possíveis para
atingi-los?
Aí estão alguns tópicos para
ajudar no programa do PT. Espero que alguém leia, depois
do Brasil x Noruega.
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