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São Paulo, terça-feira, 23 de setembro de 2003

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ANÁLISE

A palavra de ordem poderia ser: Deus salve o petróleo

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

A memória? Se a questão for federal, não pergunte ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. O Iphan acabou de se livrar da Cinemateca Brasileira, por sinal. Se a questão for estadual... pergunte na Secretaria de Cultura se alguém sabe onde fica a Cinemateca, ou o Condephaat.
O melhor é ir direto ao guichê certo, o da Petrobras (e/ou BR). E que diabo tem o petróleo com a preservação de bens culturais, filmes em particular? Ninguém pergunte demais. O certo é que ninguém parece mais empenhado, fora do gueto cinematográfico, em permitir que filmes continuem a existir.
Há algum tempo ela patrocinou o restauro de "Aviso aos Navegantes". No Festival do Rio estreará um remoçado "Menino de Engenho", de Walter Lima Jr. Há poucos anos, pela televisão, a filha de Joaquim Pedro de Andrade lamentava o estado de "O Padre e a Moça". Bem, agora teremos sua obra inteira restaurada.
Não vem ao caso chover no molhado e ressaltar a importância do cinema de Joaquim Pedro. Ele foi um cineasta central da segunda metade do século 20, portanto do cinema brasileiro, apesar dos altos e baixos. Perder "O Padre e a Moça" ou "Macunaíma" seria crime de lesa-pátria.
Um consolo para um cinema que perdeu, há pouco, a Cinemateca do MAM, do Rio de Janeiro. A história da preservação cinematográfica é, no Brasil, uma história de perdas. Os ganhos, para que existam, exigem tantas lutas que mal se compreende por que ainda existem pessoas preocupadas com isso.
A memória é um incômodo. Para um governante vale muito mais patrocinar um filme (e ainda mais um espetáculo musical, uma peça) do que um restauro. Para um cineasta, vale muito fazer um filme agora do que saber se ele existirá daqui a 50 anos.
A memória é uma tranqueira. Só a Petrobras e a BR parecem lembrar-se dela. É um caso interessante, pois já era assim no governo passado e continuou.
Poucos avaliarão a importância dessa política (muitos saberiam queixar-se quando os filmes enfim se perdessem). No meio cinematográfico, a palavra de ordem bem poderia ser: Deus salve o petróleo.


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