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LIVROS - LANÇAMENTOS
A capacidade de causar cócegas intelectuais
BIA ABRAMO
especial para a Folha
Há várias maneiras de ler "Idoru". A
primeira delas é como um bem construído thriller de
ficção científica. Se
é que ainda dá para classificar assim o que William Gibson faz.
Para efeitos de sinopse, o que se
passa em "Idoru" é basicamente o
seguinte: o astro pop da banda
Lo/Rez, o cantor Rez, anuncia que
vai se casar com a "Idoru" japonesa Rei Toei. O termo vem de
"idol" (ídolo, em inglês) e designa
as estrelas de música pop pré-fabricadas - e, neste caso, fabricadas tem um significado sinistro.
Chia, uma garota norte-americana do fã-clube do vocalista, desconfia do boato e vai para Tóquio
investigar. No caminho, envolve-se involuntariamente com contrabando de nanotecnologia. Ao
mesmo tempo, Colin Laney, o
equivalente futurista de um atual
surfista da Internet, algo como
um espião "hi-tech", testemunha
o suicídio (ou assassinato) de
uma celebridade e vai trabalhar
como um espécie de segurança cibernético da mesma banda.
Parece meio confuso e é um
pouco, como acontece com os
bons thrillers. É essa essencialmente a graça do gênero e Gibson
tem pulso para desenvolvê-lo,
com partes bem calculadas de
mistério e revelações em velocidade e ritmos certos. Some-se a
isso descrições vivazes e diálogos
espertos e já se tem razões suficientes para colocar "Idoru" no
ranking dos melhores livros de
aventura dos últimos tempos.
Há, entretanto, um outro interesse em Gibson. Ao lado de Brucer Sterling, ele foi um dos fundadores do cyberpunk lá pelo início
dos anos 80. Por tratar de certa
forma do futuro e antecipar nesse
futuro alguns dos avanços técnicos/científicos que se anunciavam, a literatura cyberpunk pertence, grosso modo, ao campo da
ficção científica. Pense na atmosfera de "Blade Runner" e você terá
uma razoável idéia da visão de futuro cyberpunk: tecnologia no cotidiano de todos, o poder fragmentado em corporações gigantescas, mídia onipresente, realidade virtual, Estado ausente, gangues urbanas... "Neuromancer"
(Gibson, 1982) e "Piratas de Dados" (Sterling, 1983) foram os
únicos livros dessa primeira fase
que tiveram traduções brasileiras,
lançadas pela finada coleção Zenith da editora Aleph.
O cyberpunk não apenas estava
oferecendo uma previsão razoavelmente acurada do que seriam
os anos 90 como também adiantava a junção até então improvável da tecnologia com a cultura
pop, expressa nos termos que
compuseram o próprio rótulo
(cyber, de cibernética, mais
punk). Nesse sentido, pode-se falar que o que Gibson e Sterling
criaram foi uma espécie de ficção
antecipatória mais sócio-cultural
do que científica.
Essa literatura foi tremendamente influente no cinema -veja-se o sucesso de "Matrix", termo
inclusive tirado de "Neuromancer"-, e seus escritores tornaram-se uma espécie de patronos
da "revolução digital" puxada pela revista "Wired" (da qual foram
inclusive colaboradores antes que
virasse o boletim oficial e careta
da América corporativa). O bacana é que, depois de uma escorregadela cafona para a ficção científica retrô em "A Different Engine", Gibson voltou em "Idoru",
lançado nos EUA em 1996, a fazer
aquilo que realmente sabe: olhar
o presente com perplexidade.
Em "Idoru", o futuro constitui-se do "aqui-e-agora" ampliado
pela imaginação, por um pessimismo cínico e um humor cerebral. Grosso modo, novamente,
pode-se dizer que é uma escrita
pós-moderna que não se leva a sério, cuja colcha de retalhos de referências e colagens tem a tripla
função de parodiar o passado, rir
do presente e ironizar o futuro.
Como uma espécie de Thomas
Pynchon da esfera do entretenimento, Gibson povoa seu universo de personagens e acontecimentos que relacionam dados da
cultura pop contemporânea (que
agora inclui obrigatoriamente a
tecnologia) de maneira divertida
e, ainda assim ou talvez exatamente por causa disso, com a capacidade de causar ao menos
umas tantas cócegas intelectuais.
Avaliação:
Livro: Idoru
Autor: William Gibson
Tradução: Leila de Souza Mendes
Editora: Conrad
Quanto: R$ 25 (248 págs.)
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