SHEILA GRECCO
da Redação

"Somos deixados sem nada a não ser a morte, o fato irredutível de nossa própria mortalidade." A partir dessa contestação implacável desenvolve-se "A Invenção da Solidão", de Paul Auster. Publicado como "O Inventor da Solidão", em 1982, pela Best Seller, o livro está sendo relançado pela Cia. das Letras, com tradução mais fidedigna.
Na primeira parte do livro, "Retrato de um Homem Invisível", Auster fala de seu pai; na segunda, "O Livro da Memória", trata da vida e do fazer poético.
O mergulho na memória tem início quando, no começo dos anos 80, o autor enfrentou a morte do pai, figura austera e enigmática. As recordações se avolumaram com a árdua tarefa de se livrar dos objetos da casa, onde seu pai teria vivido isolado por 15 anos. Móveis, objetos, fotografias e antigas cartas desvendam não só segredos de família, como ganharam contornos policiais.
O narrador descobre detalhes do misterioso assassinato de seu avô, o judeu austríaco Harry Auster, pela própria mulher, Anna. O passado dramático e romanesco do autor vem à tona. De eloquente memorialismo passa-se a uma ficção no melhor estilo Auster.
Na segunda parte, o escritor faz uma comovente revisão da própria vida. Traz à tona lembranças de viagens a Londres e Amsterdã, do tempo em que viveu em Paris e dos bicos e trabalhos que fez. Também reflete sobre a paternidade, a partir do seu relacionamento com o filho Daniel. Para encerrar a obra com um reverso da parte inicial, é o filho quem analisa o próprio filho.
Como todo livro de memórias, coloca-se a questão do interesse para o leitor. Mas, no seu todo, ficam assinaladas não só descrições tocantes sobre a memória, "santuário vasto e incomensurável", como também a articulada narração. O livro transita entre os frágeis liames da vida e morte, literatura e realidade, recordação e esquecimento, memória e suspense. Como assinala o autor, em relação ao caráter único de eternização pela escrita: "Foi. Nunca será de novo. Lembre".

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