São Paulo, segunda-feira, 23 de outubro de 2000

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RETROSPECTIVA BUÑUEL
Mostra traz títulos raros

DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

O grande mérito da Retrospectiva Buñuel promovida pela 24ª Mostra de Cinema de São Paulo é o de incluir, ao lado de obras-primas muito reprisadas, como "Um Cão Andaluz" e "Bela da Tarde", alguns títulos mais raros do diretor espanhol, sobretudo de sua fase mexicana. É o caso, por exemplo, de dois filmes excepcionais programados para hoje, os pouco vistos "Ensaio de um Crime" (1955) e "Subida ao Céu" (1952).
O primeiro, homenageado por Almodóvar em "Carne Trêmula", pode ser visto, sob a capa enganosa da trama policial, como um dos mais perfeitos estudos de Buñuel sobre o poder do desejo e da imaginação contra a tirania do "real".
A história narrada diz respeito a um homem rico, Archibaldo de la Cruz, que acredita ter o poder de causar as mortes que deseja. A engenhosa arquitetura do relato, em flashbacks superpostos, levou François Truffaut a exaltar a capacidade de Buñuel como "construtor", na contramão da sua fama de anárquico e destruidor.
De fato, como mostra Truffaut, a astúcia de Buñuel é tamanha que o espectador sai do cinema com a impressão de que testemunhou os inexistentes crimes do protagonista.
Mais do que à habilidade narrativa do diretor, entretanto, a façanha se deve talvez a seu personalíssimo modo de dar a ver o mundo, no qual a ação imaginada, sonhada ou desejada tem a mesma espessura e a mesma intensidade da ação "acontecida".
Em "Subida ao Céu", a história de um rapaz que tem de viajar a um vilarejo enquanto o aguardam em casa a mãe moribunda e a noiva virtuosa, essa transfiguração do real pelo desejo ressurge.
Tentado por uma jovem sedutora, o rapaz transforma imaginariamente o ônibus imundo em que viaja num leito de amor repleto de plantas e flores. Essas imagens oníricas têm uma força que lembra a do amor louco do casal de "L'Age d'Or".
Tudo isso ocorre no quadro de uma deliciosa sátira política e de costumes, em que o México aparece condensado nos poucos personagens que viajam no ônibus. O incrível "Nazarin" (1958), também programado para hoje, não é tão desconhecido: ao lado de "Los Olvidados" e "O Anjo Exterminador", é tido como um dos pontos altos de Buñuel no México.
É, ao lado de "Viridiana" e "Via Láctea", o filme em que o cineasta leva mais longe seu questionamento da fé católica. Como Viridiana, o quixotesco padre Nazarin só encontra o desastre quando tenta praticar na Terra as palavras de Cristo. (JGC)

Subida ao Céu
    
Produção: México, 1952
Quando: hoje, às 15h45 (Vitrine), e amanhã, às 14h (Cinesesc)

Ensaio de um Crime
    
Produção: México, 1955
Quando: hoje, às 13h (Masp), amanhã, às 17h (Cinemateca), e sexta, às 13h45 (Cinearte)

Nazarin
    
Produção: México, 1958
Quando: hoje, às 12h (Cinearte), e quinta, às 14h (Vitrine)



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