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EXPOSIÇÃO
Arte egípcia revela sua cultura da imagem
HÉLIO SCHWARTSMAN
EDITORIALISTA DA FOLHA
É bacaninha a exposição
"Egito Faraônico - Terra dos
Deuses", que está no Masp. Na
mostra principal, são 89 peças do
Museu do Louvre que procuram
traçar um painel da religiosidade
egípcia de 2700 a.C. até a época
ptolomaica.
A coleção, embora modesta,
não é desprezível. O destaque fica
para a sepultura de Sutymés, com
esquifes ricamente decorados que
se encaixam como bonecas russas. A múmia, infelizmente, não
pôde vir.
O leitor deve ter notado que usei
o pouco entusiasmado diminutivo "bacaninha" para qualificar
"Egito Faraônico". Fi-lo porque
nenhum dos grandes tesouros arqueológicos em poder do Louvre
veio a São Paulo. O museu francês
tem 60 mil peças. Mandou 89, nenhuma de valor inestimável.
Mesmo assim, o paulistano enfrenta filas para assistir à exibição,
assim como esperou horas para
ver uma outra mostra, "A Arte no
Egito no Tempo dos Faraós", na
Faap, no primeiro semestre.
Isso nos remete a um mistério:
por que a civilização egípcia é tão
popular? Uma exposição dedicada aos tabletes ugaríticos -fundamentais para a civilização como a conhecemos- provavelmente ficaria às moscas, enquanto qualquer coisa que diga respeito ao Antigo Egito atrai multidões
-e em qualquer parte do mundo.
Hollywood deu uma mãozinha.
Há dezenas de filmes sobre múmias, pirâmides, Cleópatra. Até
os crocodilos do Nilo se tornam
astros. Mas há outros povos que
também possuem símbolos, cultura e mitologia fortes e que não
mereceram nem uma fração da
atenção de Hollywood.
O que torna a civilização egípcia
tão especial? Desconfio de que o
Antigo Egito, como Hollywood, é
uma cultura da imagem. Da mesma forma que um filme americano pode ser visto -e compreendido- por qualquer terrestre,
também a arte egípcia fala diretamente aos olhos.
A melhor pista que vi para explicar esse fenômeno é a esboçada
por Elisabeth Delange, conservadora-chefe do departamento de
antiguidades egípcias do Louvre:
"Além disso, a língua egípcia não
conhecia a abstração. (...) Como a
escrita hieroglífica, calcada no
ambiente do egípcio e em seu
quadro natural, o pensamento religioso se exprimia por imagens".
Vale a pena debruçar um pouco
sobre o caráter imagético da escrita egípcia, que surge por volta de
3100 a.C.. Ela parte de uma representação ideográfica, isto é, o hieróglifo correspondente a um touro significa mesmo "touro". De
modo um pouco mais sofisticado,
o desenho de uma orelha de vaca
significa ouvir.
Também entram trocadilhos
infames. O desenho de um rei, seguido do de uma casa e do de uma
rainha significaria "o rei (se) casa
(com) a rainha".
O que parece uma piada boba é
a origem de um dos maiores saltos da humanidade. Numa radicalização posterior desses trocadilhos, os ideogramas darão lugar
a sons da língua, gerando o alfabeto, que permitirá o registro duradouro de tudo o que possa ser
dito com palavras.
Os egípcios tiveram a chave para o alfabeto em suas mãos, mas
não o desenvolveram, optando
por conservar um sistema híbrido
altamente complexo, em que os
níveis ideográfico e fonético se
confundem.
O alfabeto mesmo, em que as letras correspondem apenas a sons,
surgiu no segundo milênio antes
de Cristo, desenvolvido aparentemente pelos fenícios. Os egípcios,
por alguma razão, recusaram-se a
dar esse último passo rumo à abstração alfabética. Influíram complexas questões sociais.
Os escribas, por exemplo, para
conservar seu grande poder, se
opuseram às tentativas de popularização da escrita. Mas, por uma
questão de justiça poética, prefiro
acreditar que os faraós sacrificaram a filosofia para permanecer
fiéis à imagem. As filas para ver a
exposição provam que estavam
certos.
Egito Faraônico - Terra dos Deuses
Onde: Masp - 2º subsolo (av. Paulista,
1.578, São Paulo, tel. 0/xx/11/251-5644)
Quando: de ter. a sex., das 11h às 17h;
sáb. e dom., das 11h às 18h; até 16/12
Quanto: R$ 10
Patrocinadores: Bradesco Seguros,
Votorantim e Pão de Açúcar
Co-patrocinador: Folha
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