São Paulo, quarta-feira, 23 de outubro de 2002

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Fortalecimento da presença estatal divide produtores

FABIO CYPRIANO
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

As propostas para a cultura no programa de governo de Lula, divulgadas anteontem, no Rio, trazem o refreamento da política privatizante da era FHC, que deixou aos produtores culturais a responsabilidade pela ação na área, especialmente com recursos das leis de incentivo à cultura.
Pela proposta do PT, as leis de incentivo à cultura passarão por uma revisão, e o Fundo Nacional de Cultura (FNC), forma de subvenção direta do Estado, passa a ter maior peso na política de financiamento cultural. Ele será administrado por um Sistema Nacional de Política Cultural (SNPC), ao qual qualquer organismo, público ou privado, deverá estar vinculado. Todos os municípios e Estados do país, que buscarem recursos do FNC, precisarão se vincular ao SNPC.
Esse fortalecimento da presença do Estado é visto com reservas pelo produtor cultural Romaric Büel, responsável por mostras como "Paris 1900". "Estou um pouco assustado com esse fundo [FNC]. Li que a preocupação do PT é descentralizar e democratizar a produção e isso precisa ser explicitado. Não se pode entrar no companheirismo arquetipado que se vê por aí. Fiquei decepcionado, por exemplo, com a ação do PT em Campinas. Por outro lado, a presença do Estado pode ajudar ainda no fortalecimento da imagem do país no exterior", diz Büel.
"O Estado não vai ditar o que deve ser produzido. Ele vai determinar, por exemplo, que uma sala de cinema aberta em uma cidade tenha uma cota para a exibição de filmes brasileiros ou cinema latino-americano", afirma Marco Aurélio Garcia, co-autor do programa de Lula.
"O problema do Fundo Nacional de Cultural é que ele é opaco, não tem a transparência e fiscalização rigorosa da Lei de Incentivo à Cultura", afirma Büel.
Já o produtor cultural Yakoff Sarkovas tem uma opinião positiva sobre o plano. "A impressão que me dá é que há um conjunto de boas intenções. A leitura do conjunto dá a entender que o Estado iria assumir um papel de responsabilidade maior na área cultural do que o governo FHC, que teve um apreço pela cultura, mas uma grande omissão: a condenação do mercado cultural a buscar recursos públicos junto às empresas privadas", diz.
De acordo com Sarkovas, "o SNPC começa a apontar um caminho prático, já que a grande questão não é garantir que todos ou os mais influentes recebam dinheiro, mas permitir que os melhores projetos consigam financiamento".
A proposta do PT também é elogiada pelo banqueiro e empreendedor cultural Edemar Cid Ferreira. "Um país como o Brasil, com muita diversidade cultural, não se pode fazer apenas com uma ação através do incentivo fiscal. O espírito da proposta me parece correto. O que eles estão fazendo não é centralizar, mas democratizar. Acho válido que a ação pública seja direcionada para regiões mais carentes, fora do eixo Rio-São Paulo, que concentra os maiores investimentos, se for isso o que estou entendendo do programa", diz Cid Ferreira.

Incentivo "elitista"
O PT pretende, em um eventual governo, alterar a regulamentação das leis de incentivo fiscal em vigor no país. O objetivo é garantir a participação do poder público na decisão das empresas sobre onde investir o dinheiro da renúncia fiscal (parcela de impostos destinada à produção cultural).
Hamilton Pereira, coordenador do programa de cultura de Lula, diz que hoje essa decisão é "tomada exclusivamente pelos diretores de marketing das empresas", o que, na avaliação do PT, faz com que o uso das leis obedeça "somente à lógica de mercado".
De acordo com dados do Ministério da Cultura, de 1996 a 2001 as leis federais (Rouanet e do Audiovisual) destinaram R$ 1,009 bilhão à realização de projetos culturais.
Os projetos são submetidos ao MinC com uma estimativa de orçamento. Ao aprová-los, o ministério autoriza a captação do total ou de uma parte do valor. A partir daí, cabe ao produtor cultural encontrar patrocinadores.
Segundo Pereira, a maior participação do Estado na gestão dos recursos de incentivo fiscal serviria para combater duas "distorções" no uso das leis: a concentração dos recursos no eixo Rio-São Paulo e o predomínio da aprovação de projetos de artistas e instituições renomados.
O senador José Sarney (PMDB-AP), autor da primeira lei federal de incentivo à cultura, diz que o mecanismo "se tornou elitista" ao longo dos anos. "O espírito da lei era colocar a cultura no planejamento do Estado, mas evitar o oficialismo, tirar o Ministério [da Cultura] disso", diz o senador.
"Com o Ministério da Cultura aprovando projetos, voltamos ao oficialismo", comenta. Na proposta original de Sarney, não cabia ao MinC aprovar projetos culturais, mas sim registrar produtores que ficavam autorizados a captar recursos. Era a figura do agente cultural.
A produtora Mariza Leão, que participou da elaboração do programa de cultura do presidenciável Ciro Gomes (PPS), considera "uma vitória" a proposta do PT de "alterar a relação do produtor cultural com as leis de incentivo".


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