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Fortalecimento da presença estatal divide produtores
FABIO CYPRIANO
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
As propostas para a cultura no
programa de governo de Lula, divulgadas anteontem, no Rio, trazem o refreamento da política privatizante da era FHC, que deixou
aos produtores culturais a responsabilidade pela ação na área,
especialmente com recursos das
leis de incentivo à cultura.
Pela proposta do PT, as leis de
incentivo à cultura passarão por
uma revisão, e o Fundo Nacional
de Cultura (FNC), forma de subvenção direta do Estado, passa a
ter maior peso na política de financiamento cultural. Ele será administrado por um Sistema Nacional de Política Cultural
(SNPC), ao qual qualquer organismo, público ou privado, deverá estar vinculado. Todos os municípios e Estados do país, que
buscarem recursos do FNC, precisarão se vincular ao SNPC.
Esse fortalecimento da presença
do Estado é visto com reservas pelo produtor cultural Romaric
Büel, responsável por mostras como "Paris 1900". "Estou um pouco assustado com esse fundo
[FNC]. Li que a preocupação do
PT é descentralizar e democratizar a produção e isso precisa ser
explicitado. Não se pode entrar
no companheirismo arquetipado
que se vê por aí. Fiquei decepcionado, por exemplo, com a ação do
PT em Campinas. Por outro lado,
a presença do Estado pode ajudar
ainda no fortalecimento da imagem do país no exterior", diz Büel.
"O Estado não vai ditar o que
deve ser produzido. Ele vai determinar, por exemplo, que uma sala
de cinema aberta em uma cidade
tenha uma cota para a exibição de
filmes brasileiros ou cinema latino-americano", afirma Marco
Aurélio Garcia, co-autor do programa de Lula.
"O problema do Fundo Nacional de Cultural é que ele é opaco,
não tem a transparência e fiscalização rigorosa da Lei de Incentivo
à Cultura", afirma Büel.
Já o produtor cultural Yakoff
Sarkovas tem uma opinião positiva sobre o plano. "A impressão
que me dá é que há um conjunto
de boas intenções. A leitura do
conjunto dá a entender que o Estado iria assumir um papel de responsabilidade maior na área cultural do que o governo FHC, que
teve um apreço pela cultura, mas
uma grande omissão: a condenação do mercado cultural a buscar
recursos públicos junto às empresas privadas", diz.
De acordo com Sarkovas, "o
SNPC começa a apontar um caminho prático, já que a grande
questão não é garantir que todos
ou os mais influentes recebam dinheiro, mas permitir que os melhores projetos consigam financiamento".
A proposta do PT também é
elogiada pelo banqueiro e empreendedor cultural Edemar Cid
Ferreira. "Um país como o Brasil,
com muita diversidade cultural,
não se pode fazer apenas com
uma ação através do incentivo fiscal. O espírito da proposta me parece correto. O que eles estão fazendo não é centralizar, mas democratizar. Acho válido que a
ação pública seja direcionada para regiões mais carentes, fora do
eixo Rio-São Paulo, que concentra os maiores investimentos, se
for isso o que estou entendendo
do programa", diz Cid Ferreira.
Incentivo "elitista"
O PT pretende, em um eventual
governo, alterar a regulamentação das leis de incentivo fiscal em
vigor no país. O objetivo é garantir a participação do poder público na decisão das empresas sobre
onde investir o dinheiro da renúncia fiscal (parcela de impostos
destinada à produção cultural).
Hamilton Pereira, coordenador
do programa de cultura de Lula,
diz que hoje essa decisão é "tomada exclusivamente pelos diretores
de marketing das empresas", o
que, na avaliação do PT, faz com
que o uso das leis obedeça "somente à lógica de mercado".
De acordo com dados do Ministério da Cultura, de 1996 a 2001 as
leis federais (Rouanet e do Audiovisual) destinaram R$ 1,009 bilhão à realização de projetos culturais.
Os projetos são submetidos ao
MinC com uma estimativa de orçamento. Ao aprová-los, o ministério autoriza a captação do total
ou de uma parte do valor. A partir
daí, cabe ao produtor cultural encontrar patrocinadores.
Segundo Pereira, a maior participação do Estado na gestão dos
recursos de incentivo fiscal serviria para combater duas "distorções" no uso das leis: a concentração dos recursos no eixo Rio-São
Paulo e o predomínio da aprovação de projetos de artistas e instituições renomados.
O senador José Sarney (PMDB-AP), autor da primeira lei federal
de incentivo à cultura, diz que o
mecanismo "se tornou elitista" ao
longo dos anos. "O espírito da lei
era colocar a cultura no planejamento do Estado, mas evitar o oficialismo, tirar o Ministério [da
Cultura] disso", diz o senador.
"Com o Ministério da Cultura
aprovando projetos, voltamos ao
oficialismo", comenta. Na proposta original de Sarney, não cabia ao MinC aprovar projetos culturais, mas sim registrar produtores que ficavam autorizados a
captar recursos. Era a figura do
agente cultural.
A produtora Mariza Leão, que
participou da elaboração do programa de cultura do presidenciável Ciro Gomes (PPS), considera
"uma vitória" a proposta do PT
de "alterar a relação do produtor
cultural com as leis de incentivo".
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