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"COISAS BELAS E SUJAS"
Stephen Frears retrata luta de classes no submundo londrino
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
Dezoito anos depois do filme que lhe deu renome
mundial, "Minha Adorável Lavanderia", Stephen Frears volta
ao tema dos imigrantes que buscam um lugar ao sol em Londres.
Mas a barra, em "Coisas Belas e
Sujas", é muito mais pesada. Aqui
os personagens, premidos por
uma situação social impermeável,
vivem na faixa sinistra que vai do
subemprego ao submundo do
crime.
Okwe (Chiwetel Ejifor) é um
médico nigeriano que trabalha de
dia como chofer de táxi e de noite
como recepcionista de hotel,
mantendo-se acordado à base de
uma erva medicinal. Mora clandestinamente no apartamento da
jovem turca Senay (Audrey Tautou), camareira no mesmo hotel
em que ele trabalha.
Um dia Okwe encontra um coração humano entupindo a privada de um dos quartos do hotel e
acaba por descobrir um esquema
de tráfico de órgãos. Imigrantes
ilegais trocam um rim por um
passaporte falso.
A partir daí, Frears imbrica habilmente três filmes em um: a trama policial, a denúncia social à
maneira de Ken Loach e a história
de amor de Okwe e Senay.
Se a trama policial, com seu vilão cartunesco -o espanhol Juan
"Sneaky", gerente do hotel-,
tem algo de fantasioso e inverossímil, o quadro social pintado pelo
filme é muito eloquente.
Todos os personagens são imigrantes e entre eles se desenvolve
uma selvagem luta de classes.
Os já estabelecidos, como
"Sneaky" e o proprietário turco
de uma lavanderia, exploram das
mais diversas maneiras os pobres
diabos recém-chegados ou acossados pela polícia.
A crítica é ácida. O tráfico de órgãos é uma macabra metáfora da
lei capitalista da oferta e da procura. A própria imagem central do
filme -um coração jogado na
privada- é um retrato nada sutil
de uma sociedade em que o sentimento foi descartado.
Significativamente, a única cena
em que, à exceção da polícia, aparece um inglês "legítimo", é para
comprar um rim extraído de um
imigrante.
E ele ouve de Okwe a frase que
vale por um manifesto: "Nós somos as pessoas que vocês não
vêem. Somos nós que limpamos
suas latrinas, dirigimos seus carros, chupamos seus paus".
Apesar da crueza do discurso,
Frears paradoxalmente fez um filme elegante, no qual, se há algo a
criticar, são determinadas concessões ao padrão narrativo hollywoodiano, com seu estudado
equilíbrio entre drama e humor,
seu maniqueísmo e sua catarse
sentimental.
Para o bem ou para o mal, não
deixa de ser uma proeza transformar uma história escabrosa num
filme de entretenimento.
Coisas Belas e Sujas
Dirty Pretty Things
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