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LITERATURA
Prosa de autor lisboeta estréia no Brasil com "O que Diz Molero", marco da ficção portuguesa que virou peça
Dinis Machado faz sua "Volta ao Mundo"
VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
O lisboeta Dinis Machado tem
74 anos e fuma há 60. Por causa
do tabaco, está a arrebentar os
pulmões, como diz. Carrega um
cateter no corpo. A resistência física não lhe é como dantes, quando a "bússola doida do coração"
apontou para a mulher, a mezzo-soprano Dulce Cabrita, mãe de
Rita, nascida há 40 anos.
Ao telefone, o escritor emana
um tanto da melancolia portuguesa, misturada a uma solidão
irônica, de sorrisos dóceis feito
um avô que sempre tem uma boa
história para contar.
Pois finalmente chegou a vez de
o Brasil ler a prosa de Machado,
ele que chegou antes, em 2003,
por meio do espetáculo teatral "O
que Diz Molero", encenado por
Aderbal Freire-Filho. O mesmo
romance, já traduzido para o espanhol, húngaro, romeno e alemão, é lançado agora no Brasil.
Machado é jornalista. No final
dos anos 60, publicou romances
policiais sob pseudônimo. Mas a
obra que o projetou, já assinando
Dinis Machado, foi este "O que
Diz Molero" (1977), marco da ficção portuguesa na esteira da Revolução dos Cravos, o movimento dos capitães que pôs fim à ditadura no país, em abril de 1974.
"O livro reflete, em parte, a atmosfera da Lisboa após os anos
30, o surgimento dos bairros populares, quando as crianças praticavam jogos e brincadeiras nas
ruas", diz Machado.
Segundo o autor, trata-se de
uma aventura à moda de Julio
Verne ("Volta ao Mundo em 80
Dias"). Tem-se a trajetória de um
anti-herói como num efeito espiral, vertiginoso.
É mais ou menos assim: os investigadores Mister DeLuxe e
Austin lêem um relatório sobre a
vida de Rapaz. O dossiê foi preparado por um terceiro colega deles,
Molero. São transcrições verbais e
escritas do passado, epopéia feita
da matéria dos sonhos, da infância à vida adulta do Rapaz, retratado sob certa obsessão por Molero. A obsessão é tanta que ele se
identifica com o investigado, até
esboçando traços psicológicos.
A história é povoada de personagens laterais, alguns com brevíssimas introduções biográficas.
Outros protagonizam encontros
marcantes com o Rapaz. Como a
atriz "la petite Mireille", o vizinho
Leduc, ginasta que termina numa
cadeira de rodas, e o solitário Erculano, com quem aprende a esperar a "palavra-resumo das fontes do instinto". Machado transita
por aspectos profundos e bizarros
da existência, como a desnudar "o
corpo que a alma tem", na base do
amor, do humor e da dor.
É uma escrita que traz referências do cinema e sobretudo da
poesia. "Eu sempre gostei mais
dos poetas do que dos prosadores. Da língua portuguesa, a que
conheço bem, gosto de quase todos, como Pessoa, Camões, Camilo Peçanha e Castro Alves", diz
Machado. O Rapaz chega a citar
Manuel Bandeira no livro.
Na capa do seu último romance,
"Reduto Quase Final" (1989), a
luz do sol reflete numa cadeira de
balanço vazia. Machado define
aquele livro como "um ajuste de
contas com a literatura", também
naquelas páginas elevada à categoria de personagem.
O QUE DIZ MOLERO. Autor: Dinis
Machado. Tradutora: Karina Jannin.
Editora: José Olympio. Quanto: R$ 24
(210 págs.).
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