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Weingartner educa com revolução quase desarmada
LÚCIA VALENTIM RODRIGUES
DA REDAÇÃO
A seqüência começa com uma
casa vazia. A família volta, cansada, de uma viagem. Tudo normal.
Não fosse a desordem dos móveis
e um pequeno bilhete nem se notaria que algum estranho esteve
lá. Soldadinhos de porcelana invadiram a privada, as cadeiras subiram umas em cima das outras, a
TV foi se refrescar na geladeira.
Antes que se pense que objetos
inanimados ganharam vida, é
bom explicar que "Edukators" é
realista. Na nota, lacônica, deixada pelos invasores lê-se: "Seus
dias de fartura estão contados".
Ex-neurocirurgião, o austríaco
Hans Weingartner, 34, conta nesta produção alemã a história de
dois jovens amigos que invadem
mansões. Nada levam. Querem
instaurar a revolução que não será televisionada.
O ato é pessoal, isolado, de repercussão quase nula. É maluco,
ingênuo, ineficiente -e genial. O
personagem de Daniel Brühl resume: "A rebelião é difícil agora.
O que era subversivo hoje se compra em lojas". Partem ao ataque.
A amizade e o sucesso das operações entre os dois serão abalados por uma mulher. O clima vai
pesar, algo vai dar errado e por aí
segue a levada de "Edukators".
Após passar no Festival do Rio,
no mês passado, e na Mostra, hoje, às 22h40, na Sala UOL (outras
exibições amanhã e dias 31 e 1º/
11), deve estrear em dezembro. O
cineasta falou à Folha, por telefone, durante sua estadia no Rio.
Folha - O sr. estava presente nas
sessões do Festival do Rio. O que o
público achou do filme?
Hans Weingartner - Para mim,
foi fantástico. Eles gostaram do
filme. A sala estava lotada, e o público ficou gritando no final de
prazer. Eles realmente gostaram.
Folha - Por que fazer esse filme?
Weingartner - Tentava entender
por que a energia revolucionária
da juventude tinha se perdido.
Em outros tempos foram os jovens que se revoltaram, e é importante para o processo dinâmico
da sociedade que haja quem a critique. Isso de certa forma acabou.
Folha - Por quê?
Weingartner - Creio que se desenvolveu uma estratégia de pegar cada protesto, transformá-lo
em produto e mandar de volta para a juventude. Não sabemos mais
como e onde atacar o sistema. Os
jovens estão muito desorientados.
Acho que estão frustrados, porque sentem essa raiva interior e
não sabem o que fazer com ela.
Parece que o mundo é um muro
de borracha e, quando tentam
acertá-lo, o soco volta na cara.
Folha - O sr. acha que filmar é um
jeito de combater o sistema?
Weingartner - Sim, é o meu modo pessoal de fazer algo. Espero
que os jovens entendam que se revoltar é mais divertido do que ficar em casa assistindo à TV.
Folha - O que o sr. achou de representar a Alemanha na competição
do Festival de Cannes?
Weingartner - Eu falo só por
meu filme, não represento nenhum país. Mas foi uma boa experiência. Nunca tive o desejo de
andar no tapete vermelho, mas foi
divertido, é um grande circo.
Folha - O que o sr. acha do atual
momento das eleições nos EUA?
Weingartner - Acho que, se Bush
ganhar novamente, vai começar
uma nova guerra. Realmente tenho muito medo dele.
Folha - Há espaço hoje para ideologias ou tudo é dinheiro?
Weingartner - Há espaço para
idéias e para mudanças. Não entendo um mundo em que 90%
das pessoas passam fome e os outros 10% comem tanto que têm de
fazer dieta e só conseguem ser feliz à base de Prozac. É perverso esse lugar em que 100% das pessoas
estão infelizes. Temos de mudar.
Folha - Por que escolheu deixar a
neurocirurgia para fazer cinema?
Weingartner - Tenho dois corações: um bate pela ciência e outro
pela arte. Às vezes eles estão sincronizados. Cinema é 100% percepção e o que acontece na mente
humana, porque o filme acontece
basicamente na sua cabeça.
Folha - O sr. virá a São Paulo?
Weingartner - Não vai dar tempo. Tenho ainda de ir à Polônia,
Bélgica, Áustria e Espanha levando "Edukators". Depois vou recarregar minhas baterias.
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