São Paulo, domingo, 23 de outubro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

29ª MOSTRA DE CINEMA

Diretor com trajetória original e mista quebra convenções com temática homoerótica em faroeste vencedor de Veneza

Ang Lee subverte bela história de amor

CRÍTICO DA FOLHA

Se algum dia Clint Eastwood fizesse um faroeste gay, provavelmente ele se pareceria muito com "Brokeback Mountain", de Ang Lee, vencedor do Leão de Ouro no último Festival de Veneza, que a Mostra de SP exibe apenas hoje, em duas salas. Evidentemente, entre Eastwood e Lee existe uma distância significativa em termos de talento e experiência, mas não são poucos os momentos em que "Brokeback Mountain" lembra, por exemplo, o belo e subestimado "As Pontes de Madison", que Eastwood estrelou e dirigiu em 1995.
Ambos lidam com a mesma matéria bruta: um amor intenso, podado pelas convenções sociais. Ambos trazem em comum o fato de terem cenários como títulos. A montanha Brokeback de Lee e as pontes cobertas de Eastwood são imagens carregadas de simbologia e desejo lindamente enquadradas pela câmera -"leitos" do nascimento e concretização desse amor. Os dois filmes são, ainda, afirmativos e tristes na medida em que apostam em uma paixão viva que se realiza, mas que é duramente minada pelo seu potencial subversivo.
Em "Brokeback Mountain", essa paixão acontece entre dois homens. Jack Twist (Jake Gyllenhaal) e Ennis del Mar (Heath Ledger) se conhecem no verão de 1963, quando trabalham juntos tomando conta de um rebanho de ovelhas. Durante anos, cultivarão um amor escondido das suas vidas oficiais, cada um com sua mulher e filhos.
Lee, como Eastwood, constrói essa relação com tempo e delicadeza. Não tem pressa e, tampouco, medo da emoção ou das imagens belas, elementos tão mal utilizados hoje em dia. É corajosa a falta de pudor do cineasta em trabalhar esses elementos. O homoerotismo está longe de ser tratado com ironia e sublimação, como em tantos outros faroestes (quem não se lembra da clássica seqüência em que Montgomery Clift e John Ireland comparando suas armas em "Rio Vermelho", de Howard Hawks?). Aqui há uma rara e franca aproximação da atração física e sentimental que nasce entre dois homens, como raramente se vê, também, em filmes que tratam de amores entre um homem e uma mulher.
Por fim, o que dizer de um cineasta que vem de gêneros tão distintos como o épico de artes marciais ("O Tigre e o Dragão"), o quadrinho em movimento ("Hulk") e agora essa recriação do faroeste em novos termos? Esses três filmes, cada um deles original e pessoal, mostram como Ang Lee vem traçando uma trajetória interessante, procurando contrabandear sutis e significativas subversões para o interior do cinema mais convencional. "Brokeback Mountain" corre o risco de ser desprezado por sua maior qualidade: querer simplesmente contar uma história de amor da forma mais bonita possível.
(PEDRO BUTCHER)


Brokeback Mountain
   
Direção:
Ang Lee
Quando: hoje, às 22h, em duas salas do Frei Caneca Unibanco Arteplex



Texto Anterior: Crítica: Diretor recicla clichês do cinema em tom de chanchada para massas
Próximo Texto: Lanterninha
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.