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RECEITAS DO MELLÃO
O prazer carnal começou em um açougue
HAMILTON MELLÃO JUNIOR
Colunista da Folha
Era chegada a hora do menino
conhecer o prazer carnal. A mamma confabulou com as zias e agregados, mas, como sempre, quem
deu o parecer final foi a nonna. Decididas, saíram da avenida São
Luiz (onde moravam) rumo à rua
Manoel Dutra, no Bixiga, para
comprar escalopes de vitelo num
açougue que começava a fazer nome entre os europeus: o Wessel.
Corria o ano de 1960 e este causo
atesto por fé, já que nas lides forenses bebês de um ano não servem
como testemunha.
Começou afortunado o meu destino de gourmet/gourmand: gradativamente, fui sendo apresentado às iguarias do mesmo açougue.
E cada qual tinha uma peculiar finalidade nutricional.
Músculo, ossobuco, rim, rabo,
língua e miolo. A língua servia para melhorar a oratória deste futuro
presidente da República. O miolo,
me lembro bem, era para desenvolver o intelecto do infante. E o
comi tanto que, hoje, deveria ser
mais inteligente do que Gabriel, o
maior pensador do Brasil.
O milagre econômico chegou e
nós, dignos representantes de uma
classe média que então existia, nos
mudamos para o Alto de Pinheiros. Desafortunadamente, passei
alguns anos longe do meu querido
açougue. Esse foi o preço que paguei pelo progresso da pátria.
Um dia, vi uma placa de Carnes
Wessel na rua Iguatemi. Fui lá conferir e era a mesma. A mesma, só
nas carnes. Foi o primeiro açougue
civilizado que vi: a limpeza lembrava a de uma sala de cirurgia, e
as carnes estavam criteriosamente
envoltas em celofane como que
embaladas para presente.
O dono, Istvan, pessoalmente
nos ensinava a fazer goulash, steak
tartare, assados, e levávamos para
casa as receitas escritas. Graças a
elas, deixei de crescer na vertical,
mas continuei crescendo na horizontal e, de tanto insistir no uso do
fogão, acabei virando chef. Já disse
ao Istvan que ele é o grande responsável por essas duas coisas.
²
As costeletas de cordeiro tempero com sal, pimenta, e passo na farinha de trigo batendo para
tirar o excesso. Douro na manteiga, virando-as
de lado quando pegam cor. Agrego folhas de
sálvia seca e sirvo com ervilhas frescas.
Já para o espaguete à genovesa uso o lagarto de
vitelo, frito em pouco azeite. Viro-o sempre para
que pegue cor igual. Acrescento salsão, cebola e
cenoura picados, além de meio litro de vinho
branco. Abafo a panela e deixo apurar o molho
em fogo baixo, completando com água sempre
que necessário. Quando a carne fica macia, tempero com sal e pimenta. Cozinho o espaguete al
dente, incorporo-o ao molho e sirvo com parmesão ralado na hora.
²
E-mail: mellao@uol.com.br
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