São Paulo, sexta, 23 de outubro de 1998

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RECEITAS DO MELLÃO
O prazer carnal começou em um açougue

HAMILTON MELLÃO JUNIOR
Colunista da Folha

Era chegada a hora do menino conhecer o prazer carnal. A mamma confabulou com as zias e agregados, mas, como sempre, quem deu o parecer final foi a nonna. Decididas, saíram da avenida São Luiz (onde moravam) rumo à rua Manoel Dutra, no Bixiga, para comprar escalopes de vitelo num açougue que começava a fazer nome entre os europeus: o Wessel.
Corria o ano de 1960 e este causo atesto por fé, já que nas lides forenses bebês de um ano não servem como testemunha.
Começou afortunado o meu destino de gourmet/gourmand: gradativamente, fui sendo apresentado às iguarias do mesmo açougue. E cada qual tinha uma peculiar finalidade nutricional.
Músculo, ossobuco, rim, rabo, língua e miolo. A língua servia para melhorar a oratória deste futuro presidente da República. O miolo, me lembro bem, era para desenvolver o intelecto do infante. E o comi tanto que, hoje, deveria ser mais inteligente do que Gabriel, o maior pensador do Brasil.
O milagre econômico chegou e nós, dignos representantes de uma classe média que então existia, nos mudamos para o Alto de Pinheiros. Desafortunadamente, passei alguns anos longe do meu querido açougue. Esse foi o preço que paguei pelo progresso da pátria.
Um dia, vi uma placa de Carnes Wessel na rua Iguatemi. Fui lá conferir e era a mesma. A mesma, só nas carnes. Foi o primeiro açougue civilizado que vi: a limpeza lembrava a de uma sala de cirurgia, e as carnes estavam criteriosamente envoltas em celofane como que embaladas para presente.
O dono, Istvan, pessoalmente nos ensinava a fazer goulash, steak tartare, assados, e levávamos para casa as receitas escritas. Graças a elas, deixei de crescer na vertical, mas continuei crescendo na horizontal e, de tanto insistir no uso do fogão, acabei virando chef. Já disse ao Istvan que ele é o grande responsável por essas duas coisas.
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As costeletas de cordeiro tempero com sal, pimenta, e passo na farinha de trigo batendo para tirar o excesso. Douro na manteiga, virando-as de lado quando pegam cor. Agrego folhas de sálvia seca e sirvo com ervilhas frescas.

Já para o espaguete à genovesa uso o lagarto de vitelo, frito em pouco azeite. Viro-o sempre para que pegue cor igual. Acrescento salsão, cebola e cenoura picados, além de meio litro de vinho branco. Abafo a panela e deixo apurar o molho em fogo baixo, completando com água sempre que necessário. Quando a carne fica macia, tempero com sal e pimenta. Cozinho o espaguete al dente, incorporo-o ao molho e sirvo com parmesão ralado na hora.
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E-mail: mellao@uol.com.br



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