São Paulo, sexta, 23 de outubro de 1998

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Carlinhos Brown

Rosane Marinho/Folha Imagem
O cantor e compositor baiano Carlinhos Brown, que está lançando o disco 'Omelete Man'



O cantor e compositor baiano fala sobre seu novo disco, "Omelete Man", Racionais MCs, música eletrônica, família Buarque e Brasil


PAULO VIEIRA
enviado especial ao Rio

O objetivo da música é gerar felicidade. A música não traiu ninguém. Frases de um frasista meio naif, o compositor Carlinhos Brown, um homem que tem, entre suas qualidades -e talvez ele considere isso musical-, uma camaradagem acima da média. Até aos Racionais MCs, grupo que o hostilizou numa cerimônia recente, destina elogios. O compositor chega ao segundo disco, "Omelete Man", onde imagina ter impresso tais conceitos. Para divulgá-lo recebeu a Folha no Rio.

Folha - Antes de falar do disco, pergunto sobre o incidente com os Racionais MCs, na entrega dos prêmios da MTV, que você apresentou. Eles não pegavam o troféu da sua mão, começaram a entoar "filho da puta". Que achou do episódio todo?
Carlinhos Brown -
Foi um momento feliz da MPB. Foi o encontro zumbi-aluvião. Ali, de um lado tinha uma sociedade miscigenada baiana com conhecimentos de que é herdeira do Brasil, de que não é colonizada, mas colonizador também. Por outro lado um grupo que tem seu papel social, importância, que faz uma música muito boa e tem discurso aliado à situação que vive em São Paulo. Era essa situação, não eu, nem Mano, nem ninguém. Agora eu não mudo minha posição sobre o rap, essa música tão fragilizada, um discurso tão burro e fraco no mundo inteiro. Nós não fazemos música para ostentar medalhões de ouro, carrões, drogas e mulheres, isso não parece muito com a história do Brasil.
Folha - Uma interpretação possível do encontro é o grupo querer tentar não ser maculado por uma certa indústria que você personificava como apresentador e artista estabelecido. Esses arcabouços não o oprimiam?
Brown -
Em nenhum momento. As pessoas falam que eu interferi, que eu tomei a palavra. Mas eu era o MC ali. Foi um grande acontecimento para mim e para o grupo. Não era divergência, foi sadio, uma prova de que há o que fazer na música, nos discursos. Não achei aquilo rancoroso, acho que eles foram originais do jeito deles, e eu do meu.
Folha - Vocês conversaram depois daquilo?
Brown -
Convidaram-me para uma festa do dia das crianças que eles fazem. Não pude, mas a gente ainda vai se encontrar. Eu estou tentando fazer um encontro na Bahia, e aí mostramos que não há diferença nenhuma, eles têm a onda deles, a gente tem a nossa, não é "indimizade". Eu estou tentando levar para a Bahia o James Brown, Charlie Brown Jr., Mano Brown e MC's Racionais e Alcione.
Folha - Seu primeiro disco foi lançado com alguma pompa, lançamento mundial, e esse aqui está mais tímido. O que aconteceu de um para o o outro?
Brown -
Não estou vendo assim. Sou um artista que está começando. É a mesma cobrança que fazem para o Brasil, querem que o Brasil seja mais velho do que é. Cobram de mim um resultado. Não entendo desse negócio de verbas. Tem Pitágoras e tem pitadas. Esse negócio de quantia, passa-se muito pela necessidade adolescente "eu significo se eu vender muito". Tenho necessidade de fazer música, e fazer música não significa gravar. disco. Há artistas no exterior, como os Fugees, o Chemical Brothers, que saem muito nos jornais daqui, e são artistas da minha convivência.
Folha - E você pensa em fazer algo com eles?
Brown -
Será natural se vier, mas nunca vou forçar nada. São nomes importantes da pop music de fora, mas eu prefiro Chiquinho de Moraes. O que liga o meu timbal é o Brasil.
Folha - Ao ouvir o disco, que é muito diferente entre suas faixas, fiquei me perguntando se o seu estilo é um monte de coisas juntas, ou se você não tem estilo.
Brown -
Eu sou assim, não é o disco. O outro disco também, não percebem que eu gosto de ter diferenças. Não vou ficar fazendo 30 "A Namorada" porque foi sucesso. Folha - Você fecha o disco com uma oração, à maneira do "Tropicália", que é fechado pelo "Hino do Senhor do Bonfim".
Brown -
Eu mesmo não sabia que o "Hino" era a última música. Mas eu sou sacro, não sou só candomblé, minha música é uma forma de agradecer a quem me ajuda.
Folha - OK, agora, a palavra "alquimistas", da música "Vitamina Ser", é Jorge Ben.
Brown -
Claro que é. Não tinha como conhecer essa palavra se não fosse pela boca dele. Ele é meu verdadeiro "iniciante", a pessoa que me iniciou de certo modo na música, e que tem uma visão que continua moderna. A obra de Jorge se renova nos grupos de pagode, no samba-reggae baiano.
Folha - Mas acho que não se renova nele.
Brown -
Mas se renova nas pessoas. Eu vejo artistas dizerem, como o menino do Planet Hemp... Ele falava sobre o disco dele, disse "só não tem Gilberto Gil e Caetano, não gosto muito de MPB, ela estacionou". Eu analisando aquilo ali, acho que Caetano, Tom, Cecilia Meireles... o tom de Tom é presente. A presença desses grandes criadores está para a gente não como "estacionamento", mas como generosidade de ter permitido uma adequação à música. O D2 é parecido com a capa de "Tropicália", aquele cabelão, aquela barba, segurando o retrato. Por mais que fale aquilo, ele está inserido.
Folha - Você sabia exatamente o que queria antes de entrar no estúdio, ou é desses que acreditam nas mudanças do caminho?
Brown -
O que as obras precisam é de felicidade, para poder passar isso às pessoas. Isso é o inatingível, não tem nada que pague. O mundo precisa ser envolto em felicidade, e é a música que pode oferecer isso.
Folha - Qualquer música oferece isso?
Brown -
Acho que qualquer música feita com amor, sinceridade e verdade.
Folha - ET e Rodolfo oferecem isso?
Brown -
Eu me recuso a falar de assuntos extraterrestres. Não compreendo essa turma. Sei que tem ratinhos, leões. Mas na verdade essa música dúbia é uma evolução dos Mamonas. Essa sacanagem é a criança da pessoa, diz como o povo brasileiro é, ingênuo, prestativo. Eu assisto "Topa Tudo por Dinheiro", adoro. Quando a pegadinha acaba, o cara recobra sua capacidade de contribuir, mostra valor, caráter.
Folha - Você vê os anos 90 como pródigos, mas não usa computador na música.
Brown -
Só na mixagem, não na produção do som, que é manufaturado. Eu nasci nos 60, posso pegar um violão e tirar uma distorção, fazer um wah-wah com a boca. Dizem que o som eletrônico é moderno, mas você ouve e parece demo.
Folha - Essa barba que você usa parece com a do Gil em 71.
Brown -
Eu nem sabia que tinha barba, apareceu aí, comecei a deixar. Esse negócio de andar com cabelo raspado parece opressão da ditadura, eu ando buscando o velho, o que antecede o homem. Para entender o homem eu preferi esse visual mais primata.
Folha - Seu sogro, o Chico Buarque, nunca te enche o saco por você usar essas roupas esquisitas, não gostar de futebol...
Brown -
Quem disse que eu não gosto de futebol, eu só não sei jogar. Mas se ele me enche o saco, é de fartura, dou graças a Deus daquela família ter a educação de base que tem, Deus ajude que as famílias brasileiras tenham a oportunidade de ser como aquela, tão gentil, tão boa gente.
Folha - Quando é que você vai fazer o público de seus shows de São Paulo dar a volta no Palace, como você faz com os baianos lá no Gueto Square?
Brown -
É isso que eu quero com o Brasil, dar uma volta nele, não no sentido de enganá-lo. De retomar nossos mantras. Estamos num lugar onde qualquer princípio cerimonial passa pelo giro, e aqui ainda vale o princípio europeu de parar defronte e observar alguém. O Brasil é um país mântrico.



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