|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MEMÓRIA
Artista esculpiu a imortalidade em suas peças
TIAGO MESQUITA
CRÍTICO DA FOLHA
Em um texto de 1963, o crítico de cinema Paulo Emilio
Sales Gomes dizia que já se preparava para a morte de Charles
Chaplin. Diante de uma fragilização daquele que lhe ensinou
tanto, o autor tinha que estar
pronto para o impacto da notícia, para digeri-la e pronunciá-la. Ingrata função do jornalista.
Impossível estar preparado,
no entanto, para o falecimento
de Amilcar de Castro. Quem
acreditaria que, com 82 anos e
com problemas de saúde, retirasse do ferro o que retirava?
A aparência de seus trabalhos
e sua atuação em diversas frentes, com tanto vigor, indicava
longevidade. Quem não se assustará ao saber que o artista
nos deixa logo agora em que vivia um auge de sua carreira?
Na década de 50, quando
abraça o construtivismo concreto, não pula no barco da ortodoxia. Relembra os exercícios de desenho com lápis duro
dados por Guignard. Casada
com a reflexão neoconcreta, de
cujo manifesto foi signatário,
tal produção se torna uma das
mais potentes da arte nacional.
Em 59, renova as artes gráficas do país, mudando o desenho do "Jornal do Brasil". Já
havia feito um projeto para a
revista "Manchete", em 54,
mas foi com o "JB" que produziu um desenho moderno, em
que limpava as linhas do jornal
e deixava a disposição dos textos e imagens mais livre e plástica. Como artista gráfico continuou até seus últimos dias, no
Jornal de Resenhas, na Folha.
Mas onde o artista atuou com
maior liberdade foi em suas esculturas de chapa de metal. Tinha um gesto enérgico, mas
não o usava para conformar o
material. Suas peças mostravam toda a beleza da carga bruta do minério. Eram enferrujadas, pesadas e ásperas, mas
apareciam com delicadeza.
Nas peças fendidas no meio e
abertas para o mundo, dos
anos 70, a chapa de ferro plana
sugere volume. Aberta, ela se
faz de cubo. Entretanto o que
vemos é a flexão da chapa enferrujada insinuando tridimensionalidade. Com o tempo
o corte foi se tornando cada vez
mais irregular. Nas peças mais
largas, sugeria um equilíbrio
momentâneo entre as partes.
Em duas de suas últimas exposições, na Pinacoteca (SP) e
no Armazém (RJ), elas partiam
de formas geométricas irregulares. As chapas dobradas tentavam instituir uma convivência entre duas partes desarmônicas que indicavam a possibilidade de uma derrubar a outra. A vigorosa dobra lateral segurava as esculturas equilibradas e graciosas. Diante de nós
bailavam para não despencar.
Para quem viu essas peças, a
impressão de que a escultura
de Amilcar contava com, pelo
menos, uns 30 anos de vida não
era ilusória. Talvez nem o artista acreditasse na proximidade
dessa tragédia. Quando esculpia ou desenhava brincava com
a imortalidade. E ela ficou inscrita nesses trabalhos.
Texto Anterior: Artes plásticas: Morre aos 82 o artista Amilcar de Castro Próximo Texto: Corpo de Amilcar de Castro é enterrado em BH Índice
|