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POESIA
CD de Neruda não é pão, mas brioche
CYNARA MENEZES
especial para a Folha
Nadar contra
a corrente. É o
que parece dizer cada verso
lido ou cantado
no projeto "Marinero en Tierra", uma homenagem ao poeta chileno Pablo Neruda (1904-1973) nas vozes de músicos da América do Sul e Espanha.
Ler e escutar poesia? Quem tem
tempo para isso? Pois para desfrutar o disco é preciso justamente dar um tempo. Desacelerar. Relaxe e escute: é divertido, é o rap
(ritmo e poesia) de volta ao tempo
dos trovadores.
Ou não. Os chilenos do grupo
Canal Magdalena, por exemplo,
fizeram do poema "Soneto 12"
pura modernidade, e a sensualidade dos versos de Neruda, publicados em 1960, encaixam surpreendentemente com os scratches e a mesa de DJ ao fundo.
Cada um dos 22 músicos ou
grupos que participaram escolheu o poema que iria interpretar
segundo o seguinte critério básico: que lhes tocasse profundamente. Muitos, por conta disso,
são de amor. Ou é que Pablo Neruda escreveu poemas de amor
demais?
A musa, sua terceira e última
mulher, Matilde Urrutia, com
quem viveu por 24 anos, de 49 até
a morte, também comparece,
com sua voz orgulhosa e coquete,
em um trecho do "Soneto 94", nela inspirado: "Se sofres, meu
amor, morrerei outra vez".
A voz de Neruda está lá, milagres da tecnologia -límpida e
clara. O poeta, amante dos recitais, percorria seu país e logo outros encantando as platéias com
sua leitura peculiar, a voz grave e
arrastada.
Pablo Neruda seduz os ouvintes
deste CD em dois poemas, um deles dedicado à amada, "Pido Silencio", do livro "Estravagario"
(58): "Matilde minha, bem-amada, não quero dormir sem teus
olhos,/ não quero ser sem que me
mires".
Em "Alturas de Machu Pichu"
(50), disseca a paisagem peruana
como se o fizera com seus sentimentos sobre a latinidade: "Dá-me a mão desde a profunda/ zona
de tua dor disseminada/ Não voltarás do fundo das rochas/ Não
voltarás do tempo subterrâneo".
Dois brasileiros, o titã Sergio
Britto e Milton Nascimento (em
um espanhol bastante precário),
também aparecem, ao lado de
uma fauna heterodoxa que reúne desde românticos, como Miguel Bosé e Alejandro Sanz, a
modernetes da cena hispana, como os colombianos Aterciopelados, e nomes tradicionais, como
Joaquín Sabina.
Os desconhecidos -entre
nós- surpreendem: talvez o
melhor de todo o disco esteja na
voz da uruguaia Laura Canoura.
Neruda desejava que a poesia
chegasse a ser tão cotidiana e indispensável quanto o pão. Não
chegou, mas o tributo é um brioche para alguns afortunados.
Avaliação:
Disco: Marinero en Tierra - Tributo a
Neruda
Gravadora: Warner
Quanto: R$ 89 (na Saraiva, tel. 0/xx/
11/870-1770)
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