São Paulo, segunda-feira, 23 de dezembro de 2002

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Expedição Vaga-Lume completa dez meses de "iluminação" da região, com livros e aulas

Clareiras da Amazônia

Cassiano Elek Machado/Folha Imagem
Criança do assentamento João Batista, do MST, em Castanhal (PA), lê livro de biblioteca doada pela Expedição Vaga-Lume



Projeto montou bibliotecas em áreas rurais de 9 Estados e formou 500 "mediadores de leitura"


CASSIANO ELEK MACHADO
ENVIADO ESPECIAL A CASTANHAL (PA)

Como a pequena Macondo, de "Cem Anos de Solidão", que via chegar anualmente a fantástica trupe do cigano Melquíades, uma série de vilarejos da Amazônia também recebeu em 2002 uma visita que beirou a alquimia.
Se os nômades do romance de Gabriel García Márquez levavam à cidadezinha o ímã, a lupa e o gelo, as integrantes dessa outra expedição transportaram a idéia de transformar livros e aulas em luz.
Seguindo o exemplo dos vaga-lumes, que acendem brilhos esparsos e discretos na escuridão dos matos e florestas, Laís Fleury, 28, Maria Teresa Meinberg, 25, e Sylvia Guimarães, 25, viajaram por dez meses levando bibliotecas e ensinamento a comunidades amazônicas de difícil acesso.
A Expedição Vaga-Lume, nome do projeto, partiu de São Paulo em 8 de março deste ano, Dia Internacional da Mulher. Na sexta-feira passada, essas moças que levaram o ano todo cruzando os nove Estados da Amazônia em canoas, lotações, paus de arara e aviões da Força Aérea Brasileira se viram pegando o metrô na lotada estação Tietê, em São Paulo.
A trilha que elas deixaram na floresta mais famosa do mundo não é pequena. O trio implementou 32 bibliotecas com 300 livros cada, que beneficiam diretamente 17 mil crianças, e, mais importante, deram cursos para mais de 500 professores, arte-educadores e assistentes sociais da região.
Durante uma semana que passaram em cada uma das comunidades visitadas, as "vaga-lumas" ensinaram o que chamam de mediação de leitura.
"O mediador é aquele que desenvolve nas crianças o gosto pela leitura espontânea. A molecada tem contato com o livro na escola sempre ligado a provas, cobranças. O mediador mostra a elas que ler pode ser gostoso como brincar de boneca, jogar futebol ou assistir TV", diz Sylvia Guimarães.
Essa atividade de capacitação dos "multiplicadores de leituras" já estava no script desde que o trio começou a criar o projeto, em 2000. Mas durante o embrenhamento delas pelas comunidades acabou por se transformar no núcleo da expedição.
"A Expedição Vaga-Lume saiu de São Paulo como um projeto de implementação de bibliotecas", diz Maria Teresa Meinberg, codinome Fofa. "Mas logo percebemos que o mais importante não era levar os livros, mas trabalhar com as pessoas. A Amazônia está cheia de projetos de preservação de rios, árvores e araras, mas todos esquecem da gente de lá."
E é aí que o que se pretendiam injeções de literatura virou seringas de auto-estima. "Nossa contribuição acabou sendo mexer com o ânimo das pessoas. Comunidades que nunca tinham tido um curso de nada paravam e pensavam: "Nossa, como somos importantes'", conta Laís Fleury.
Foi assim em todos os tipos de comunidades que elas visitaram. Nos 18 mil km de estradas, 450 horas de barcos e 12 horas de avião elas visitaram, ensinaram e "bibliotecaram" aldeias indígenas, comunidades riberinhas, de descendentes de quilombolas, um assentamento do MST e um presídio, cujos detentos fizeram as estantes de madeira distribuídas por todo o trajeto.
O objetivo agora do trio é arrecadar mais livros para forrá-las. Bancada nesses dez primeiros meses pela financiadora Fináustria e pela Amazônia Celular, a Expedição Vaga-Lume também busca novos patrocinadores para poder fazer trabalho de acompanhamento com as comunidades já beneficiadas (informações pelo tel. 0/xx/11/3032-6032).
"Temos de reforçar o projeto. As políticas públicas encaram investimento em educação só como compra de livros, carteiras, o palpável. É preciso investir também no invisível, acompanhar as pessoas", diz Guimarães.


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