|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
FÁBIO DE SOUZA ANDRADE
Luiz Vilela: dois dedos de prosa
Bóris e Dóris compõem a rima desparelhada entre um empresário bem-sucedido e sua mulher mais nova
|
SEJA QUAL for o canto de sereia
da forma breve, a preferência
pelo conto na narrativa brasileira contemporânea é marcante e
plurideterminada. Haverá no grosso
desta enxurrada atual de contistas
um tanto de timidez estética (se falho e breve, menos grave), uma incompreensão das dificuldades específicas do gênero (não é pela menor
extensão que o conto é mais simples), mas também uma recusa legítima da aspiração à idéia de totalidade, ainda que degradada, que o romance teima em portar. Da fatia de
vida à forma aberta, o leque da prosa
breve moderna acomoda do conservadorismo extremo à novidade desconcertante.
O ex-jornalista Luiz Vilela até escreveu romances (como "O Inferno
É Aqui Mesmo", de 1979, relato à
clef de sua passagem pelas redações
paulistanas), mas construiu seu
nome como novelista e contista do
cotidiano cinzento da classe média
urbana, mineiramente cético desde "Tremor de Terra", coletânea de
contos de sua estréia, aos 24 anos,
até "Bóris e Dóris", novela recém-lançada pela Record. Um contista
maduro, premiado de outros carnavais, portanto, que não se confunde com esta febre mais recente.
Nas suas variações em torno dos
desejos desencontrados (mulheres
bovaristas, homens de carreira ou
carreiristas, homens do subsolo,
solitários, à beira de surtos) e das
misérias comezinhas da vida na cidade, Vilela se vale de um narrador
dramático. Seu trunfo maior é um
ouvido apuradíssimo para os diálogos, ainda que sem o gume do minimalismo cruel de Dalton Trevisan, nem das epifanias saturadas de ironia lírica de Oswald de Andrade.
Nos seus melhores momentos, alcança um trabalho com o osso da
língua, uma duplicação do pensamento automático que denuncia o
postiço das falas feitas. Mas nem
sempre escapa à tentação de enquadrar este sem-sentido em lances de efeito, submetendo-o à solução artificial, explicativa, de um
narrador que ainda faz valer sua
autoridade final.
Bóris e Dóris compõem a rima
desparelhada entre um sexagenário empresário bem-sucedido e sua
entediada mulher mais nova durante uma convenção. Uma pergunta de questionário de hotel ("suas expectativas foram atendidas?") é pretexto para revelar os
fossos em que cada um vai metido:
D: "Nem nos hotéis, nem na vida. É
isso o que eu vou responder." B:
"Mas não vai entregar o questionário." D: "Não, não vou; eu não entrego. Eu só respondo." B: "Você
não acha que isso é uma coisa sem
sentido?" D: "Eu gosto das coisas
sem sentido." B: "É...Cada doido
com sua mania..." D: "Lembra do
hotel em que nós ficamos no ano
passado?"
O melhor de Vilela está em apanhar com precisão este diálogo de
surdos, permeado por um erotismo
feito de devaneios solitários. Feitos
de ninharias, eles prescindem de
explicação, valem por sua naturalidade e estranheza, simultâneas.
BÓRIS E DÓRIS
Autor: Luiz Vilela
Editora: Record
Quanto: R$ 20,90 (80 págs.)
Texto Anterior: Mônica Bergamo Próximo Texto: Caixa com 11 CDs reúne inéditos e raros de Caetano Índice
|