São Paulo, Segunda-feira, 24 de Janeiro de 2000


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ARTE

da Redação

Em 1976, "A Cicatriz" foi uma denúncia aguda da economia planificada dos países socialistas e mesmo um instrumento de luta contra ela. Daqui a 30 anos será um documento do esfacelamento do comunismo na Polônia.
Afinal, lá é mostrado o processo de instalação de uma grande indústria química num pequeno vilarejo, com suas pequenas mazelas políticas e decorrências azedas, como a destruição impiedosa do modo de vida dos aldeões. Como Krzysztof Kieslowski não é um rude, os implicados, sobretudo o diretor da indústria, não são vilões impiedosos. Não se trata de atacar pessoas, mas um sistema e, em particular, sua incrível incapacidade de conciliar interesses coletivos e interesses individuais.
No caso, o tipo de dilema é curiosamente muito familiar ao espectador brasileiro. Para montar a indústria, sacrificam-se as casas de umas tantas pessoas e a qualidade de vida do local. É preciso que essa indústria exista, caso contrário os camponeses não terão como adubar suas plantações.
Do ponto de vista estrito da intriga, "A Cicatriz" cai num limbo a que raros filmes políticos não sucumbem: têm sentido no momento de sua realização; podem vir a ter sentido para estudiosos futuros da sociedade polonesa ou dos países socialistas do século 20.
Neste exato momento, porém, nem uma coisa nem outra parecem ser relevantes o bastante para mobilizar o espectador.
Mas como Kieslowski é um cineasta antes de ser jornalista ou historiador, o que se retém de "A Cicatriz" traz nas imagens a marca do realizador notável que foi. Isso é o que existe de principal, isso é o que acabamos retendo.
O político gordo, com movimentos lentos e certeiros, os carros precários, as salas modestas dos centros de poder -imagens como essas ficam na memória, terminam por descrever um país, um local, uma época, muito melhor do que o faz a proposta do roteiro (está implícita a seguríssima direção de atores de Kieslowski).
De todas as imagens na tela, no entanto, a que mais chama a atenção é essa que se tornou quase marca registrada do realizador polonês: o conjunto habitacional, que resume as aspirações e o fracasso dos governos comunistas.
Cada vez que aparece em um filme, ele é o mesmo e é outro, é igual e é diferente. E sempre resume idéias como igualdade, aridez, pobreza, desolação. No mundo religioso de Kieslowski, o socialismo não é apenas uma heresia, é também um inferno habitacional. (IA)



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