São Paulo, Segunda-feira, 24 de Janeiro de 2000


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POLÍTICA

THALES DE MENEZES
especial para a Folha

Primeiro longa de ficção assinado pelo polonês Krzysztof Kieslowski, "A Cicatriz" está preso a um esquemático e enxuto estilo panfletário, que impõe a discussão política sobre a estética. Mesmo assim, é possível ver o talento narrativo de Kieslowski, que explodiria uma década depois.
"A Cicatriz" mostra o processo de construção de uma grande indústria química numa pequena cidade polonesa, a partir de 1970.
Depois de reuniões, falcatruas e conchavos, a cidade é escolhida e um íntegro homem do partido, Bednarz, é enviado para chefiar a fábrica desde sua construção.
A indicação de Bednarz não é aleatória. Ele passou sua juventude na cidadezinha, casou ali e conhece bem as pessoas do lugar. Mas sua mulher não aceita voltar à cidade, porque teme as lembranças de um misterioso episódio que a envolve com um dos futuros colegas de trabalho de seu marido.
A reação dos moradores é contrária a qualquer mudança de seu cotidiano. O processo de despejo de famílias que habitam áreas prioritárias para o projeto é tumultuado. Debates acalorados entre representantes do partido e moradores são mostradas com aborrecidas minúcias.
Kieslowski já demonstra em "A Cicatriz" algumas características marcantes de seu cinema, conhecido mundialmente por "O Decálogo" (88), "A Dupla Vida de Véronique" (91) e a trilogia de filmes que têm no título uma das cores da bandeira francesa, realizada entre 1993 e 1994.
Ele já apresenta a ausência ou discreta utilização de trilha sonora, a edição lenta das imagens, o close demorado em apenas um dos interlocutores durante uma conversa, o total desprezo pela construção de um clímax narrativo, a importância do corte suave entre as tomadas.
Enfim, o estilo Kieslowski.
Deixando em segundo plano os problemas de Bednarz com a mulher e com a filha rebelde que fez um aborto, o diretor e roteirista centra fogo no mecanismo do partido. Seu herói tenta comandar a operação de acordo com os desejos da população local, mas aos poucos Bednarz é cercado pelas engrenagens da máquina, para usar palavras que combinam com o tom panfletário do roteiro.
O filme enfoca mais de quatro anos de acontecimentos e tenta, com parcial sucesso, mostrar a gênese do sindicato Solidariedade. Mesmo abandonando a intenção de criar um filme emotivo, Kieslowski tem pelo menos uma vantagem sobre Andrzej Wajda, outro brilhante cineasta polonês que dedicou obras ao movimento sindical: "A Cicatriz" ainda mantém um mínimo de preocupação com o homem, entre tantas discussões e palavras de ordem.
Franciszek Pieczka, que interpreta Bednarz, é um ator intenso, que valoriza silêncios em cena e cria empatia com o espectador. Bem, com aqueles espectadores que aguentarem tantas "colocações" dos camaradas reunidos. "A Cicatriz" é um bom filme, mas exige demais de quem o assiste.


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