São Paulo, quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

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Crítica

"A Pane" é peça inteligente com estilo kafkiano e interpretações requintadas

SÉRGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

Friedrich Dürrenmatt é um criador de fábulas intrigantes. Em seu conto "A Pane", um forasteiro em um vilarejo -que, por uma pane de seu carro, é obrigado a pernoitar na casa de um juiz aposentado- aceita o convite de participar enquanto réu de um simulacro de julgamento que o anfitrião costumava fazer junto a seus colegas. Aos poucos, durante o jantar gastronômico, vai se convencendo de que é um assassino.
Terrível como Kafka, mas sem perder a bonomia, o próprio autor do conto o adaptou em seguida para o rádio e os palcos. A versão atual, no entanto, é feita especialmente pelo renomado jurista e político Nilo Batista para o interessante projeto "Teatro na Justiça", da Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro.
Conduzida pelo professor de direção teatral José Henrique e contando com a idealizadora do projeto, Silvia Monte, em seu elenco, a produção é a primeira encenada exclusivamente por profissionais da área teatral (antes disso, vários advogados famosos experimentaram exercer seus dons teatrais pela primeira vez no palco).
Indo além de seus princípios pedagógicos, o espetáculo resulta em uma diversão inteligente, com algumas interpretações requintadas. Henrique Pagnoncelli convence na sua interpretação do homem comum que se embriaga deleitosamente pela culpa, ao passo que o elenco "jurídico" não faria feio em nenhum tribunal, com o bônus do distanciamento irônico magistral.
A adaptação de Batista ousa bem ao incorporar recursos épicos de narração (que estão em casa no universo dos tribunais) e auxilia no aspecto "pedagógico" ao abrasileirar referências, embora com exageros.
A direção acerta em voltar ao tom original de fábula, com uma atemporalidade auxiliada por luz e figurino. Curiosamente, um dos ganchos de marketing da montagem (a de se servir um cardápio real preparado por um restaurante patrocinador) acaba tomando uma dimensão desnecessária. A verdadeira degustação de "A Pane" é a sua inteligência.


A PANE
Quando:
sáb., às 21h; dom., às 19h; até 10/2
Onde: Sesc Consolação (teatro Sesc Anchieta - r. Dr. Vila Nova, 245, tel. 0/xx/11 3234-3000)
Quanto: de R$ 5 a R$ 20
Avaliação: bom


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